terça-feira, 22 de maio de 2012

APOSTILA DO CURSO DE FILOSOFIA 2º ANO - 2012


AULA 01: [A LIBERDADE DO CIDADÃO]
PENSAMENTO DO DIA: “Dois homens olham pela mesma janela, um vê a lama, o outro vê as estrelas” Frederick Lambridge

Os direitos humanos, distinguem-se, como tais, dos direitos civis. Qual o homem* que aqui se distingue do cidadão? Simplesmente, o membro da sociedade burguesa. Por que se chama o membro da sociedade burguesa de "homem", homem simplesmente, e dá-se a seus direitos o nome de direitos humanos? Como explicar o fato? Pelas rela­ções entre o Estado político e a sociedade burguesa, pela essência da emanci­pação política.
Registremos, antes de mais nada, o fato de que os chamados direitos huma­nos, ao contrário dos [direitos do cida­dão], nada mais são do que direitos do membro da sociedade burguesa, isto é, do homem egoísta, do homem separado do homem e da comunidade. A mais radical das Constituições, a Constituição de 1793, proclamou:
* Neste trecho, todas as palavras em negrito estavam em francês no original alemão, de Marx.
Declaração dos direitos do homem e do cidadão
Art. 2: Estes direitos, etc. (os direitos naturais e imprescritíveis) são: a igual­dade, a liberdade, a segurança e a propriedade.
Em que consiste a liberdade?
Art. 6: "A liberdade é o poder próprio do homem de fazer tudo aquilo que não conflite com os direitos de outro'* ou, segundo a Declaração dos Direitos do Homem, de 1791; "A liberdade é o poder próprio do homem de fazer tudo aquilo que não prejudique a ninguém".
A liberdade, por conseguinte, é o direito de fazer e empreender tudo aquilo que não prejudique os outros. O limite dentro do qual todo homem pode mover-se inocuamente em direção a outro é determinado pela lei, assim como as cer­cas marcam o limite ou a linha divisória entre duas terras. Trata-se da liberdade do homem como de uma mônada isolada, dobrada sobre si mesma. (...)
A aplicação prática do direito humano da liberdade é o direito humano à pro­priedade privada.
Em que consiste o direito humano à propriedade privada?
Art. 16 (Constituição de 1793): "O direito à propriedade é o direito assegu­rado a todo cidadão de gozar e dispor de seus bens, rendas, dos frutos de seu trabalho e de sua indústria como melhor lhe convier".
O direito humano à propriedade privada, portanto, é o direito de desfrutar de seu patrimônio e dele dispor arbitrariamente (à son gré), sem atender aos demais homens, independentemente da sociedade, é o direito do interesse pes­soal. A liberdade individual e esta aplicação sua constituem o fundamento da sociedade burguesa. Sociedade que faz com que todo homem encontre noutros homens não a realização de sua liberdade, mas, pelo contrário, a limitação des­ta. (...)
Somente quando o homem individual real recupera em si o cidadão abstrato e se converte como homem individual, em ser genérico, em seu trabalho indi­vidual e em suas relações individuais; somente quando o homem tenha reco­nhecido e organizado suas "próprias forças" como forças sociais e quando, por­tanto, já não separa de si a força social sob a forma de força política, somente então se processa a emancipação humana.

TAREFA - Em equipes: Encontre respostas para os questionamentos do texto. [Relatório no final].

DICA de LEITURA:
LEIA: RIBEIRO, João Ubaldo. Diário do Farol. São Paulo: Nova Fronteira, 2002    

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Apostila de Filosofia               [2º ANO]     1º SEMESTRE                        Página 01
                                                                              

AULA 02: [O HOMEM É LIBERDADE]
PENSAMENTO DO DIA: ”Um livro deve ser o machado que quebra o mar de gelo em nós mesmos”. Franz Kafka


Dostoievski escreveu: "Se Deus não existisse, tudo seria permitido". Aí se si­tua o ponto de partida do existencialismo. Com efeito, tudo é permitido se Deus não existe, fica o homem, por conseguinte, abandonado, já que não encontra em si, nem fora de si, uma possibilidade a que se apegue. Antes de mais nada, não há desculpas para ele. Se, com efeito, a existência precede a essência, não será nunca possível referir uma explicação a uma natureza humana dada e imu­tável; por outras palavras, não há determinismo, o homem é livre, o homem é liberdade. Se, por outro lado, Deus não existe, não encontramos diante de nós valores ou imposições que nos legitimem o comportamento. Assim, não temos nem atrás de nós, nem diante de nós, no domínio luminoso dos valores, justifi­cações ou desculpas. Estamos sós e sem desculpas. É o que traduzirei dizendo que o homem está condenado a ser livre. Condenado porque não se criou a si próprio; e, no entanto, livre porque, uma vez lançado ao mundo, é responsável por tudo quanto fizer. O existencialista não crê na força da paixão. Não pensará nunca que uma bela paixão é uma torrente devastadora que conduz fatalmente o homem a certos atos e que, por conseguinte, tal paixão é uma desculpa. Pen­sa, sim, que o homem é responsável por essa sua paixão. O existencialista não pensará também que o homem pode encontrar auxílio num sinal dado sobre a terra, e que o há de orientar; porque pensa que o homem decifra ele mesmo esse sinal como lhe aprouver. Pensa, portanto, que o homem, sem qualquer apoio e sem qualquer auxílio, está condenado a cada instante a inventar o homem. Disse Ponge num belo artigo: "O homem é o futuro do homem". É perfeitamen­te exato. Somente, se se entende por isso que tal futuro está inscrito no céu, que Deus o vê, nesse caso é um erro, até porque nem isso seria um futuro. Mas se se entender por isso que, seja qual for o homem, tem um futuro virgem que o espera, então essa frase está certa.
[SARTRE, Jean-Paul. O existencialismo é um humanismo, Col. Os pensadores. São Paulo, Abril Cultural, 1973. .


PRODUÇÃO TEXTUAL: “Se Deus não existisse, tudo seria permitido".  20 linhas

DICA DE LEITURA:

LEIA: ECO, Umberto. Segundo Diário Mínimo. São Paulo: Record, 2002   

           
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Apostila de Filosofia               [2º ANO]     1º SEMESTRE                        Página 02


AULA 03: [O QUE  É POLÍTICA]
PENSAMENTO DO DIA: ”Pensar contra a corrente de seu tempo é heróico, dizê-lo é uma loucura”. Eugéne Ionesco
                                                                         
A política é a atividade que diz res­peito à vida pública. Etimologicamen­te, polis, em grego, significa "cidade". A política é portanto a arte de gover­nar, de gerir os destinos da cidade. O homem político é aquele que atua na vi­da pública e é investido de poder pa­ra imprimir determinado rumo à so­ciedade, tendo em vista o interesse comum.
A ação política não é exclusividade de alguns seres especiais. Cada indiví­duo, enquanto cidadão (filho da cidade) deveria ter espaços de participação efe­tiva que em absoluto não se restringem apenas ao exercício do voto! Este é ape­nas um dos instrumentos da cidadania na sociedade democrática. Portanto, to­dos nós temos uma dimensão política que precisa ser atuante.
Embora não se confunda com as ati­vidades comuns do homem (na famí­lia, trabalho, lazer etc.), a política de certa forma permeia todas as atividades humanas o tempo todo. Interfere na vi­da de cada um de múltiplas maneiras: na regulamentação legal das ações dos cidadãos, já que as leis são feitas pelos representantes escolhidos pelo povo; na gestão dos assuntos relativos à edu­cação, saúde, abastecimento, transpor­tes; nos aparelhos repressivos como tri­bunais, polícia, prisões. É impossível pensar em um setor sequer onde, de uma forma ou de outra, em maior ou menor grau, a influência da política não se exerça na vida de cada um.
Por exemplo, nas esquinas movi­mentadas das grandes cidades costu­mamos ver vendedores de balas, li­mões, etc. Na maioria das ve­zes são crianças. A primeira impressão é de que certas pessoas escolhem de li­vre e espontânea vontade esse tipo de serviço, mas a análise cuidadosa reve­la a realidade cruel do desemprego e conseqüentemente de formas marginais de sobrevivência, como o subemprego. Diante das taxas de escolarização, fica­mos sabendo que pelo menos um ter­ço das nossas crianças em idade esco­lar se encontra fora da escola.
Não é possível analisar tal situação como simples decorrência da vontade de cada um: as crianças não freqüen­tam escola e estão soltas na rua não por vontade própria, nem porque seus pais são relapsos. Antes, é preciso tentar en­tender por que o Brasil tem um dos ín­dices mais vergonhosos de distribuição de renda, ao mesmo tempo que se si­tua entre os oito ou dez países mais ri­cos do mundo!


PRODUÇÃO TEXTUAL: “Analise a realidade cruel do desemprego em sua cidade".  20 linhas

DICA DE LEITURA:

LEIA: KUNDERA, Milan. A Insustentável Leveza do Ser. São Paulo: Record, 2002

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Apostila de Filosofia               [2º ANO]     1º SEMESTRE                        Página 03


AULA 04: [O CIDADÃO NÃO EDUCADO]
PENSAMENTO DO DIA: ”Se lembra quando a gente chegou um dia a acreditar, que tudo era pra sempre, sem saber que o pra sempre, sempre acaba”. Renato Russo

 (...) Nos dois últimos séculos, nos discursos apologéticos sobre a democra­cia, jamais esteve ausente o argumento segundo o qual o único modo de fazer com que um súdito transforme-se em cidadão é o de lhe atribuir aqueles direi­tos que os escritores de direito público do século passado tinham chamado de activae civitatis*; com isso, a educação para a democracia surgiria no próprio exercício da prática democrática. Primeiro vem a ditadura revo­lucionária e apenas depois, num segundo tempo, o reino da virtude. Não, para o bom democrata, o reino da virtude (que para Montesquieu constituía o princí­pio da democracia contraposto ao medo, princípio do despotismo) é a própria democracia, que, entendendo a virtude como amor pela coisa pública, dela não pode privar-se e ao mesmo tempo a promove, a alimenta e reforça. Um dos tre­chos mais exemplares a este respeito é o que se encontra no capítulo sobre a melhor forma de governo das Considerações sobre o governo representativo de John Stuart Mill, na passagem em que ele divide os cidadãos em ativos e passi­vos e esclarece que, em geral, os governantes preferem os segundos (pois é mais fácil dominar súditos dóceis ou indiferentes), mas a democracia necessita dos primeiros. Se devessem prevalecer os cidadãos passivos, ele conclui, os gover­nantes acabariam prazerosamente por transformar seus súditos num bando de ovelhas dedicadas tão-somente a pastar o capim uma ao lado da outra {e a não reclamar, acrescento eu, nem mesmo quando o capim é escasso). Isto o levava a propor a extensão do sufrágio às classes populares, com base no argumento de que um dos remédios contra a tirania das maiorias encontra-se exatamente na promoção da participação eleitoral não só das classes acomodadas (que cons­tituem sempre uma minoria e tendem naturalmente a assegurar os próprios in­teresses exclusivos), mas também das classes populares. Stuart Mill dizia: a par­ticipação eleitoral tem um grande valor educativo; é através da discussão políti­ca que o operário, cujo trabalho é repetitivo e concentrado no horizonte limita­do da fábrica, consegue compreender a conexão existente entre eventos distan­tes e o seu interesse pessoal e estabelecer relações com cidadãos diversos da­queles com os quais mantém relações cotidianas, tornando-se assim membro consciente de uma comunidade.

* Em latim no original: cidadania ativa, direitos do cidadão. (N. do T.)

[BOBBIO, Norberto. O futuro da democracia. Rio de Janeiro, Paz e Terra, 1986. p. 31-32.]


PRODUÇÃO TEXTUAL: “Faça um paralelo entre cidadania ativa e os direitos do cidadão". 
   20 linhas
DICA de LEITURA:



LEIA: MARQUES, Gabriel Garcia. Cem Anos de Solidão São Paulo: Record, 2002.





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Apostila de Filosofia               [2º ANO]     1º SEMESTRE                        Página 04


AULA 05: [DE REPENTE, APARECE A GENTE]
PENSAMENTO DO DIA: Escolhe cedo um ideal que possa perdurar por toda a tua vida.”    Dênis Diderot

(...) Se alguém tivesse tido esta tarde o bom humor de sair pelas ruas da cida­de vestido com elmo, lança e cota de malha, o mais provável é que dormisse esta noite num manicômio ou numa delegacia de polícia. Porque não é uso, não é costume. Em compensação, se esse alguém faz o mesmo num dia de carna­val, é possível que lhe concedam o primeiro prêmio de mascarado. Por quê? Porque é uso, porque é costume mascarar-se nessas festas. De modo que uma ação tão humana, como é a de se vestir, não a realizamos por própria inspira­ção, mas nos vestimos de uma maneira e não de outra, simplesmente porque se usa. Ora, o usual, o costumeiro, fazemo-lo porque se faz. Mas, quem faz o que se faz? Ora!... A gente. Muito bem! E quem é a gente? Ora... Todos, nin­guém determinado. Isso nos leva a reparar que uma enorme porção de nossas vidas se compõe de coisas que fazemos, não por gosto, nem inspiração, nem conta própria, mas simplesmente porque a gente as faz e, como o Estado, an­tes, a gente, agora, nos força a ações humanas que provêm dela e não de nós.
Pega: uma espécie de ave.
E mais ainda: comportamo-nos em nossa vida orientando-nos, nos pensamen­tos que temos, sobre o que as coisas são; mas se dermos um balanço dessas idéias ou opiniões, com as quais e das quais vivemos, acharemos com surpresa que muitas delas — talvez a maioria — não as pensamos nunca por nossa con­ta, com plena e responsável evidência de sua verdade; ao contrário, pensamo-las porque as ouvimos e dizemo-las porque se dizem. Eis aqui este estranho im­pessoal, o se, que agora aparece instalado dentro de nós, formando parte de nós, pensando ele idéias que nós simplesmente pronunciamos.
Muito bem. E então; quem diz o que se diz? Sem dúvida, cada um de nós; mas dizemos "o que dizemos" como o guarda nos impede o passo; dizemo-lo, não por conta própria, mas por conta desse sujeito impossível de capturar, in­determinado e irresponsável que é a gente, a sociedade, a coletividade. Na me­dida em que penso e falo — não por própria e individual evidência, mas repetin­do isso que se diz e que se opina — minha vida deixa de ser minha, deixo de ser o personagem individualíssimo que sou, e atuo por conta da sociedade: sou um autômato social, estou socializado.

ORTEGA Y GASSET. O homem e a gente. Rio de Janei­ro, Livro Ibero-Americano, 1960. p. 206-207.

QUESTIONAMENTOS:

1.    Como de repente aparece a gente?
2.    Muito bem! E quem é a gente?

PRODUÇÃO TEXTUAL: “Faça um apanhado histórico da existência humana: Se posicione, tenha atitude”.       20 linhas

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Apostila de Filosofia               [2º ANO]     1º SEMESTRE                        Página 05


AULA 06: [A EXISTÊNCIA PRECEDE A ESSÊNCIA]
PENSAMENTO DO DIA: “Posso não concordar com nada do que dizes, mas morro defendendo o seu direito de dizê-lo”. Voltaire     

Quando concebemos um Deus criador, esse Deus identificamo-lo quase sem­pre com um artífice superior; e qualquer que seja a doutrina que consideremos, trate-se duma doutrina como a de Descartes ou a de Leibniz, admitimos sempre que a vontade segue mais ou menos a inteligência ou pelo menos a acompa­nha, e que Deus, quando cria, sabe perfeitamente o que cria. Assim o conceito do homem, no espírito de Deus, é assimilável ao conceito de um corta-papel no espírito do industrial; e Deus produz o homem segundo técnicas e uma con­cepção, exatamente como o artífice fabrica um corta-papel segundo uma defi­nição e uma técnica. Assim o homem individual realiza um certo conceito que está na inteligência divina. No homem possui uma natureza huma­na; esta natureza, que é o conceito humano, encontra-se em todos os homens, o que significa que cada homem é um exemplo particular de um conceito uni­versal — o homem; para Kant resulta de tal universalidade que o homem da selva, o homem primitivo, como o burguês, estão adstritos à mesma definição e possuem as mesmas qualidades de base. Assim, pois, ainda aí, a essência do homem precede essa existência histórica que encontramos na natureza. (...) O existencialismo ateu, que eu represento, é mais coerente. Declara ele que, se Deus não existe, há pelo menos um ser no qual a existência precede a essên­cia, um ser que existe antes de poder ser definido por qualquer conceito, e que este ser é o homem ou, como diz Heidegger, a realidade humana. Que significa­rá aqui o dizer-se que a existência precede a essência? Significa que o homem primeiramente existe, se descobre, surge no mundo; e que só depois se define. O homem, tal como o concebe o existencialista, se não é definível, é porque primeiramente não é nada. Só depois será alguma coisa e tal como a si próprio se fizer. Assim, não há natureza humana, visto que não há Deus para a conce­ber. O homem é, não apenas como ele se concebe, mas como ele quer que seja. como ele se concebe depois da existência, como ele se deseja após este impul­so para a existência; o homem não é mais que o que ele faz. Tal é o primeiro princípio do existencialismo. É também a isso que se chama a subjetividade, e o que nos censuram sob este mesmo nome. Mas que queremos dizer nós com isso, senão que o homem tem uma dignidade maior do que uma pedra ou uma mesa? Porque o que nós queremos dizer é que o homem primeiro existe, ou seja, que o homem, antes de mais nada, é o que se lança para um futuro, e o que é consciente de se projetar no futuro. (...) Mas se verdadeiramente a exis­tência precede a essência, o homem é responsável por aquilo que é. Assim, o primeiro esforço do existencialismo é o de pôr todo homem no domínio do que ele é e de lhe atribuir a total responsabilidade da sua existência. E, quando dize­mos que o homem é responsável por si próprio, não queremos dizer que o ho­mem é responsável pela sua restrita individualidade, mas que é responsável por todos os homens.

SARTRE, Jean-Paul. O existencialismo é um humanis­mo, Col. Os pensadores. São Paulo, Abril Cultural, 1973. p. 11-12.

PRODUÇÃO TEXTUAL: “Então o homem é como ele quer ser”.   20 linhas

DICA DE LEITURA:
LEIA: ALIGHIERI, Dante. A Divina Comédia. Rio de Janeiro: Nova Cultural, 2002.
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Apostila de Filosofia               [2º ANO]     1º SEMESTRE                        Página 06

AULA 07: [O MITO DO SUPERMAN]
PENSAMENTO DO DIA: “O maior bem que pode existir em um Estado é ter verdadeiros filósofos”. René Descartes

Uma imagem simbólica de particular interesse é a do Superman. O herói pro­vido de poderes superiores aos do homem comum é uma constante da imagi­nação popular, de Hércules a Sigfrid, de Roldão a Pantagruel e até a Peter Pan. Freqüentemente, a virtude do herói se humaniza, e os seus poderes, mais que sobrenaturais, são a alta realização de um poder natural, a astúcia, a velocida­de, a habilidade bélica, e mesmo a inteligência silogizante e o puro espírito de observação, como acontece em Sherlock Holmes. Mas numa sociedade parti­cularmente nivelada, em que as perturbações psicológicas, as frustrações, os complexos de inferioridade estão na ordem do dia; numa sociedade industrial, onde o homem se torna número no âmbito de uma organização que decide por ele,.
O Superman é o mito típico de tal gênero de leitores: o Superman não é um terráqueo, mas chegou à Terra, ainda menino, vindo do planeta Crípton. Crípton estava para ser destruído por uma catástrofe cósmica e o pai do Su­perman, hábil cientista, conseguira pôr o filho a salvo, confiando-o a um veícu­lo espacial. Crescido na Terra, o Superman vê-se dotado de poderes sobre-humanos. Sua força é praticamente ilimitada, ele pode voar no espaço a uma velocidade igual à da luz, e quando ultrapassa essa velocidade atravessa a bar­reira do tempo, e pode transferir-se para outras épocas. Com a simples pres­são das mãos, pode submeter o carbono a uma tal temperatura que o transfor­ma em diamante; em poucos segundos, a uma velocidade supersônica, pode derrubar uma floresta inteira, transformar árvores em toros e construir com eles uma aldeia ou um navio; pode perfurar montanhas, levantar transatlânti­cos, abater ou edificar diques; seus olhos de raios X permitem-lhe ver através de qualquer corpo, a distâncias praticamente ilimitadas, fundir com o olhar objetos de metal; seu superouvido coloca-o em condições vantajosíssimas, permitindo-lhe escutar discursos de qualquer ponto que provenham.
Todavia, a imagem do Superman não escapa totalmente às possibilidades de identificação por parte do leitor. De fato, o Superman vive entre os homens sob as falsas vestes do jornalista Clark Kent; e, como tal, é um tipo aparentemente medroso, tímido, de medíocre inteligência, um pouco embaraçado, míope, súcubo da matriarcal e mui solícita colega Miriam Lane, que, no entanto, o des­preza, estando loucamente enamorada do Superman. Narrativa mente, a dupla identidade do Superman tem uma razão de ser, porque permite articular de modo bastante variado a narração das aventuras do nosso herói, os equívocos, os lances teatrais, um certo suspense próprio de romance policial. Mas, do ponto de vista mito poético, o achado chega mesmo a ser sapiente: de fato, Clark Kent personaliza, de modo bastante típico, o leitor médio torturado por complexos e desprezado pelos seus semelhantes; através de um óbvio processo de identifi­cação, um accountant qualquer, de uma cidade norte-americana qualquer, nu­tre secretamente a esperança de que um dia, das vestes da sua atual personali­dade.

ECO, Umberto. Apocalípticos e integrados. São Paulo, Perspectiva. 1970. p. 246-248.

PRODUÇÃO TEXTUAL: “Estabeleça as características do Superman e explique por existe o mito do Superman"..  20 linhas

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Apostila de Filosofia               [2º ANO]     1º SEMESTRE                        Página 07


AULA 08: [A HERANÇA ILUMINISTA]
PENSAMENTO DO DIA: “Os artistas pensam segundo as palavras e os filósofos pensam segundo as leis”. Albert Camus  

"A Ilustração foi, apesar de tudo, a proposta mais generosa de emancipa­ção jamais oferecida ao gênero huma­no. Ela acenou ao homem com a pos­sibilidade de construir racionalmente o seu destino, livre da tirania e da supers­tição. Propôs ideais de paz e tolerância, que até hoje não se realizaram. Mostrou o caminho para que nos libertássemos do reino da necessidade, através do desenvolvimento das forças produtivas.
Seu ideal de ciência era o de um saber posto a serviço do homem, e não o de um saber cego, seguindo uma lógica desvinculada de fins humanos. Sua moral era livre e visava uma liberdade concreta, valorizando, como nenhum outro período, a vida das paixões e pregando uma ordem em que o cidadão não fosse oprimido pelo Estado, o fiel não fosse oprimido pela religião, e a mulher não fosse oprimida pelo homem. Sua doutrina dos direitos humanos era abstrata, mas por isso mesmo universal, transcendendo os limites do tempo e do espaço, suscetível de apropriações sempre novas, e gerando continuamente novos objetivos políticos." Rouanet.)
Assim, a tarefa iniciada por Kant, de superação da incapacidade humana de se servir do seu próprio entendimento e ousar servir-se da própria razão, não poderá jamais ser completada. É tare­fa que precisa ser refeita a cada momento, a partir das duas condições neces­sárias: o exercício da razão crítica e da crítica racional.
Hoje, entretanto, os conceitos de ra­zão e de crítica devem ser reexami­nados.
Quando falamos em razão, não mais acreditamos ingenuamente que, só pelo fato de sermos homens, sejamos auto­maticamente racionais. Devemos, a partir dos estudos de Freud e Marx, ad­mitir que a razão pode também ser deturpadora e pervertida, ou seja, admi­tir que tanto os impulsos do inconscien­te quanto a ideologia (ou falsa consciên­cia) são responsáveis por distorções que colocam a razão a serviço da mentira e do poder.
O exercício da razão plena é a tarefa do novo Iluminismo, que deve mostrar aos defensores do irracionalismo que a crítica não-racional leva ao conformis­mo, uma vez que, sem o trabalho con­ceituai, não há como sair da facticidade, ou seja, do vivido.
Assim, a nova razão crítica precisa: fazer a crítica dos limites internos e externos da razão, consciente de sua vulnerabilidade ao irracional; estabelecer os princípios éticos que fundamentam sua função normativa; vincular essa construção a raízes sociais contemporâneas, submetendo-a
à prova de realidade. Esse solo social aparece no processo comunicativo, dentro do qual os sujeitos propõem e criticam argumentos, criticam as mo­tivações subjacentes e desenvolvem as capacidades humanas de saber, de busca da verdade, da justiça e da au­tonomia.


QUESTIONAMENTOS:
1.    Qual era o ideal de ciência? Como é compreendida a incapacidade humana?
2.    O que precisa a nova visão crítica?

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Apostila de Filosofia               [2º ANO]     1º SEMESTRE                        Página 08


AULA 09: [ O NOVO ILUMINISMO]
PENSAMENTO DO DIA: “Os filósofos são mais anatomistas que os médicos: dissecam, mas não curam”. Antoine Rivarol

Assim, o novo Iluminismo proclama sua crença no pluralismo e na tolerância e combate todos os fanatismos, sabendo que eles não se originam da manipula­ção consciente do clero e dos tiranos, como julgava a Ilustração, e sim da ação de mecanismos sociais e psíquicos muito mais profundos. Revive a crença no progresso, mas o dissocia de toda filosofia da história, que o concebe como uma tendência linear e automática, e passa a vê-lo como algo de contingente, probabilístico e dependente da ação consciente do homem. O único progresso humanamente relevante é o que contribui de fato para o bem-estar de todos, e os automatismos do crescimento econômico não bastam para assegurá-lo. O progres­so, nesse sentido, não é uma doação espontânea da técnica, mas uma constru­ção intencional pela qual os homens decidem o que deve ser produzido, como e para quem, evitando ao máximo os custos sociais e ecológicos de uma indus­trialização selvagem. Esse progresso não pode depender nem de decisões em­presariais isoladas nem das diretrizes burocráticas de um Estado centralizador, e sim de impulsos emanados da própria sociedade. O Iluminismo mantém sua fé na ciência, mas sabe que ela precisa ser controlada socialmente e que a pes­quisa precisa obedecer a fins e valores estabelecidos por consenso, para que ela não se converta numa força cega, a serviço da guerra e da dominação. Re­põe em circulação a noção kantiana da "paz perpétua", com pleno conhecimento das forças sócio-econômicas que conduzem à guerra. Resgata o ideal do cosmopolitismo, do Weltbürgertum, sabendo que nas condições atuais a universa­lidade possível não poderá ir muito além da esfera cultural. Assume como sua bandeira mais valiosa a doutrina dos direitos humanos, sem ignorar que na maior parte da humanidade só profundas reformas sociais e políticas podem assegu­rar sua fruição efetiva. Combate o poder ilegítimo, consciente de que ele não se localiza apenas no Estado tirânico, mas também na sociedade, em que ele se tornou invisível e total, molecular e difuso, aprisionando o indivíduo em suas malhas tão seguramente como na época da monarquia absoluta. Luta pela li­berdade, cônscio de que ela não pode ser apenas o do citoyen rousseauísta, mas também a de todos que se inserem em campos setoriais de opressão, regidos por versões "regionais" da dialética hegeliana do senhor e do escravo, como a relação homem-mulher, heterossexual-homossexual, etnia dominante-etnias minoritárias.
ROUANET, Sérgio Paulo. As razões do Iluminismo. São Paulo, Companhia das Letras, 1987.

PRODUÇÃO TEXTUAL: “Fale das novas razões do iluminismo: suas verdadeiras perspectivas”.     20 linhas

DICA DE LEITURA:

LEIA: DOSTOIÉVSKI.  Crime e Castigo. Rio de Janeiro: Nova Cultural, 2004.

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Apostila de Filosofia               [2º ANO]     1º SEMESTRE                        Página 09

AULA 10: [ COMO IDENTIFICAR A RAZÃO ]
PENSAMENTO DO DIA: A filosofia é o melhor remédio para a mente”. Cícero

Em nossa vida cotidiana usamos a palavra razão em muitos sentidos. Dizemos, por exemplo, “eu estou com a razão”, ou “ele não tem razão”, para significar que nos sentimos seguros de alguma coisa ou que sabemos com certeza alguma coisa. Também dizemos que, num momento de fúria ou de desespero, “alguém perde a razão”, como se a razão fosse alguma coisa que se pode ter ou não ter, possuir e perder, ou recuperar, como na frase: “Agora ela está lúcida, recuperou a razão”. Falamos também frases como: “Se você me disser suas razões, sou capaz de fazer o que você me pede”, querendo dizer com isso que queremos ouvir os motivos que alguém tem para querer ou fazer alguma coisa. Fazemos perguntas como: “Qual a razão disso?”, querendo saber qual a causa de alguma coisa e, nesse caso, a razão parece ser alguma propriedade das coisas.
Por identificar razão e certeza, a Filosofia afirma que a verdade é racional; por identificar razão e lucidez (não ficar ou não estar louco), a Filosofia chama nossa razão de luz e luz natural; por identificar razão e motivo, por considerar que sempre agimos e falamos movidos por motivos, a Filosofia afirma que somos seres racionais e que nossa vontade é racional; por identificar razão e causa e por julgar que a realidade opera de acordo com relações causais, a Filosofia afirma que a realidade é racional.
É muito conhecida a célebre frase de Pascal, filósofo francês do século XVII: “O coração tem razões que a razão desconhece”. Nessa frase, as palavras razões e razão não têm o mesmo significado, indicando coisas diversas. Razões são os motivos do coração, enquanto razão é algo diferente de coração; este é o nome que damos para as emoções e paixões, enquanto “razão” é o nome que damos à consciência intelectual e moral. Ao dizer que o coração tem suas próprias razões, Pascal está afirmando que as emoções, os sentimentos ou as paixões são causas de muito do que fazemos, dizemos, queremos e pensamos. Ao dizer que a razão desconhece “as razões do coração”, Pascal está afirmando que a consciência intelectual e moral é diferente das paixões e dos sentimentos e que ela é capaz de uma atividade própria não motivada e causada pelas emoções, mas possuindo seus motivos ou suas próprias razões.
Assim, a frase de Pascal pode ser traduzida da seguinte maneira: Nossa vida emocional possui causas e motivos (as “razões do coração”), que são as paixões ou os sentimentos, e é diferente de nossa atividade consciente, seja como atividade intelectual, seja como atividade moral. A consciência é a razão. Coração e razão, paixão e consciência intelectual ou moral são diferentes. Se alguém “perde a razão” é porque está sendo arrastado pelas “razões do coração”. Se alguém “recupera a razão” é porque o conhecimento intelectual e a consciência moral se tornaram mais fortes do que as paixões. A razão, enquanto consciência moral, é a vontade racional livre que nãose deixa dominar pelos impulsos passionais, mas realiza as ações morais como atos de virtude e de dever, ditados pela inteligência ou pelo intelecto.

PRODUÇÃO TEXTUAL: “Explique o processo da perda e recuperação da razão”  
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Apostila de Filosofia               [2º ANO]     1º SEMESTRE                        Página 10

AULA 11: O HOMEM BOM E VIRTUOSO
PENSAMENTO DO DIA: É sempre possível aprender alguma sabedoria com um sábio”. Eurípedes

A palavra ethos é de etimologia grega e significa comportamento, ação, atividade. É dela que deriva a palavra ética. A ética é, portanto, o estudo do comportamento, das ações, das escolhas e dos valores humanos. Mas no nosso cotidiano ocorre de percebermos que há uma série de modelos de “éticas” diferentes que postulam modos de vida e de ação, por vezes excludentes. Qual é o melhor tipo de vida (se é que há um)? O que é a felicidade? É melhor ser feliz ou fazer o bem ou o que é certo?
Perguntas como essas são feitas em todas as épocas da história humana. E desde a antiguidade clássica dos gregos, já havia muitos modelos de respostas para elas. Uma delas é a fornecida pelo filósofo Aristóteles, famoso por sua Metafísica. Vamos nos aprofundar um pouquinho mais no que ele tem a nos dizer.
Em seu livro “Ética a Nicômaco”, Aristóteles consagrou a tão famosa ética do meio-termo. Em meio a um período de efervescência cultural, o prazer e o estudo se confrontam para disputar o lugar de melhor meio de vida. No entanto, a sobriedade de nosso filósofo o fez optar por um caminho que condene ambos os extremos, sendo, pois, os causadores dos excessos e dos vícios.
A metrética (medida) que usa o estagirita (Aristóteles era chamado assim por ter nascido em Estagira) procurava o caminho do meio entre vícios e virtudes, a fim de equilibrar a conduta do homem com o seu desenvolvimento material e espiritual. Assim, entendido que a especificidade do homem é a de ser um animal racional, a felicidade só poderia se relacionar com o total desenvolvimento dessa capacidade. A felicidade é o estado de espírito a que aspira o homem e para isso é necessário tanto bens materiais como espirituais.
Aristóteles herda o conceito de virtude ou excelência de seus antecessores, Sócrates e Platão, para os quais um homem deve ser senhor de si, isto é, ter autocontrole (autarquia). Trata-se do modo de pensar que promove o homem como senhor e mestre dos seus desejos e não escravos destes. O homem bom e virtuoso é aquele que alia inteligência e força, que utiliza adequadamente sua riqueza para aperfeiçoar seu intelecto. Não é dado às pessoas simples nem inocentes, tampouco aos bravos, porém tolos. A excelência é obtida através da repetição do comportamento, isto é, do exercício habitual do caráter que se forma desde a infância.
Segundo Aristóteles, as qualidades do caráter podem ser dispostas de modo que identifiquemos os extremos e a justa medida. Por exemplo, entre a covardia e a audácia está a coragem; entre a belicosidade e a bajulação está a amizade; entre a indolência e a ganância está a ambição e etc. É interessante notar a consciência do filósofo ao elaborar a teoria do meio-termo. Conforme ele, aquele que for inconsciente de um dos extremos, sempre acusará o outro de vício. Por exemplo, na política, o liberal é chamado de conservador e radical por aqueles que são radicais e conservadores. Isso porque os extremistas não enxergam o meio-termo.
Portanto, seguindo o famoso lema grego “Nada em excesso”, Aristóteles formula a ética da virtude baseada na busca pela felicidade, mas felicidade humana, feita de bens materiais, riquezas que ajudam o homem a se desenvolver e não se tornar mesquinho, bem como bens espirituais, como a ação (política) e a contemplação (a filosofia e a metafísica).

PRODUÇÃO TEXTUAL: “Faça um paralelo entre a noção de Inconsciente e consciente". 



  
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Apostila de Filosofia               [2º ANO]     1º SEMESTRE                        Página 11

AULA 12: ÉTICA EM EPICURO
PENSAMENTO DO DIA: A vida feliz consiste na tranqüilidade da mente”. Cícero
A doutrina de Epicuro surgiu em um momento de insatisfação com a condição das Cidades-Estados gregas. A vida social na Pólis era leviana e marcada pela injustiça social. O poder se concentrava nas mãos de poucos: a aristocracia urbana. Não havia felicidade entres os homens no contexto social, no qual as pessoas se interessavam estritamente pelas riquezas e pelo poder; no contexto religioso, no qual predominava a superstição, a religião tornou-se servil, cercada de mitos e ritos sem significação e também crescia a procura por oráculos e a crença em adivinhações. As pessoas gozavam dos prazeres mais supérfluos advindos das riquezas e, assim, eram relativamente felizes, pois estavam se esquecendo do que realmente proporciona a felicidade. Foi a partir disso que Epicuro criou sua doutrina contra a superstição e os bens materiais, voltada para uma reflexão interior e busca da verdadeira felicidade.
Essa doutrina é dividida em canônica, física e ética. Porém, as duas primeiras partes são esclarecimentos para a fundamentação da ética, visto que as ciências naturais só são importantes na medida em que servem de auxílio à moral. Nenhuma teoria é válida se não possuir um objetivo moral, o qual não possa ser aplicado na vida prática. A finalidade de sua ética consiste em propiciar a felicidade aos homens, de modo que essa possa libertá-los das mazelas que os atormentam, quer advenham de circunstâncias políticas e sociais, quer sejam causadas por motivos religiosos.
A Felicidade é alcançada por meio do controle dos medos e dos desejos, de maneira que seja possível chegar à ataraxia, a qual representa um estado de prazer estável e equilíbrio e, consequentemente, a um estado de tranquilidade e a ausência de perturbações, pois, conforme Epicuro, há prazeres maus e violentos, decorrentes do vício e que são passageiros, provocando somente insatisfação e dor. Mas também há prazeres decorrentes da busca moderada da Felicidade.
Segundo Epicuro, a posse de poucos bens materiais e a não obtenção de cargos públicos proporcionam uma vida feliz e repleta de tranquilidade interior, visto que essas coisas trazem variadas perturbações. Por isso, as condições necessárias para a boa saúde da alma estão na humildade. E para alcançar a felicidade, Epicuro cria 4 “remédios”:
1. Não se deve temer os deuses;
2. Não se deve temer a morte;
3. O Bem não é difícil de se alcançar;
4. Os males não são difíceis de suportar.
De acordo com essas recomendações, é possível cultivar pensamentos positivos os quais capacitam a pessoa a ter uma vida filosófica baseada em uma ética. A felicidade se alcança através de poucas coisas materiais em detrimento da busca do prazer voluptuoso. O homem ao buscar o prazer procura a felicidade natural. No entanto é necessário saber escolher de modo que se evite os prazeres que causam maiores dores; quando o homem não sabe escolher, surge a dor e a infelicidade.
O sábio deve saber suportar a dor, visto que logo essa acabará ou até mesmo as que duram por um tempo maior são suportáveis. A conquista do prazer e a supressão da dor se dão pela sabedoria que encontra um estado de satisfação interna. A virtude subordinada ao prazer só pode ser alcançada pelos seguintes itens:
·       Inteligência – a prudência, o ponderamento que busca o verdadeiro prazer e evita a dor;
·       Raciocínio – reflete sobre os ponderamentos levantados para conhecer qual prazer é mais vantajoso, qual deve ser suportado, qual pode atribuir um prazer maior, etc. O prazer como forma de suprimir a dor é um bem absoluto, pois não pode ser acrescentado a ele nenhum maior ou novo prazer.
·       Autodomínio – evita o que é supérfluo, como bens materiais, cultura sofisticada e participação política;
·       Justiça – deve ser buscada pelos frutos que produz, pois foi estipulada para que não haja prejuízo entre os homens.
Enfim, todo empenho de Epicuro tinha como meta a felicidade dos homens. Nos jardins (comunidade dos discípulos de Epicuro) reinava a alegria e a vida simples. A amizade era o melhor dos sentimentos, pois proporcionava a correção das faltas uns dos outros, permitindo as suas correções. Com isso, a moral epicurista é baseada na propagação de suas ações, pois ele não se restringiu apenas ao sentimento e ao prazer como normas de moralidade, mas foi muito além de sua própria teoria, sendo o exemplo vivo da doutrina que proferia.


QUESTIONAMENTOS:
¹. Quais são os quatro remédio para alcançar a felicidade?
². Comente cada remédio;
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AULA 13: CINISMO
PENSAMENTO DO DIA: “A felicidade não é uma estação na qual chegaremos, mas sim uma forma de viajar”. Margaret Lee Runbeck

O modo de pensar dos cínicos é apenas mais um dos vários que surgiram no período helenístico. Juntamente com epicuristas e estoicos, o cinismo é considerado como escola filosófica e não por ser constituído por uma doutrina sistemática, mas pela opção de um modo de vida que se manifestava contra as transformações ocorridas na Grécia no período do domínio macedônico.
Não se tem certeza sobre quem fundou o cinismo, Diógenes certamente foi sua figura mais marcante. Seu estilo de vida opõe-se tanto ao dos não filósofos quanto ao dos filósofos. O cínico rejeita o modo de vida que se baseia na investigação científica, bem como também aquilo que os homens em geral consideram indispensável: as regras, a vida em sociedade, a propriedade, o governo, a política, etc.
A prática de vida dos cínicos baseia-se no impudor deliberado: fazem sexo em locais públicos, comem sem utensílios e sem preparar os alimentos, não usam vestimentas, etc., isto é, não se adaptam às conveniências sociais e à opinião. Desprezam o dinheiro, mendigam, não querem posição estável na vida, não têm cidade, nem casa, nem pátria; são miseráveis, errantes, vivem o dia a dia. Têm somente o necessário para sua sobrevivência.
O cinismo pode ser considerado uma escola filosófica, ainda que seus representantes não tenham ministrado qualquer ensino em alguma escola. No entanto, a relação que havia entre mestre e discípulo confere ao cinismo um caráter escolar. Porém, o teor filosófico da escola cínica tem pouca expressão. Os cínicos não se atêm às construções teóricas sob qualquer tema: quando se afirmava que o movimento não existia, Diógenes, por exemplo, contentava-se em ficar de pé e andar. A filosofia cínica é unicamente uma escolha de vida, a escolha da liberdade total e absoluta ou da independência das necessidades inúteis, da recusa ao luxo e da vaidade presentes na vida social.
Conta-se a anedota de que estava Diógenes deitado tomando o seu sol quando chegou a ele Alexandre, o Grande (imperador que dominou a Grécia) e dizendo que lhe daria tudo aquilo que ele quisesse, bastava dizer. Diógenes lhe disse, então, que gostaria que o dono do maior império até então conquistado, simplesmente saísse de sua frente, pois estava atrapalhando seu banho de sol, o que mostra o estado de imperturbabilidade em que se propõe o cínico.
Outro grande expoente da escola cínica foi Pirro. Este, contra toda prudência, afrontava todos os tipos de riscos e perigos. Dizem que ele continuava falando mesmo quando seus ouvintes já haviam partido. Conta-se também que certa vez, vendo seu mestre Anaxarco caído num pântano, passou sem socorrê-lo e, depois, o mestre o felicitou, louvando sua indiferença e a impassibilidade.
O comportamento de Pirro corresponde a uma escolha de vida que se resume perfeitamente em uma palavra: a indiferença. Ele não faz distinção entre o que é considerado perigoso ou não, entre o que é bom ou mal. Não dá importância ao estar num lugar ou noutro; não leva em conta os julgamentos que consideram as tarefas superiores ou inferiores; não distingue entre o que se denomina prazer ou sofrimento, a vida e a morte. Tudo isso depende do valor que o homem atribui às coisas e todo valor é fruto de uma convenção. Pouco importa o que se faça desde que se faça com a disposição interior da indiferença. A filosofia de Pirro consiste em firmar-se em um estado de igualdade consigo mesmo, de indiferença total, de independência absoluta de liberdade interior, de impassibilidade, tranquilidade, imperturbabilidade, estados esses que ele considera divino. Para este tipo de filosofia, a virtude é a indiferença absoluta.
Para adquirir tal indiferença é preciso desvencilhar-se, desligar-se completamente da debilidade humana, dos bens materiais, da luxúria, dos prazeres, das ocupações, das convenções e elevar-se até o sobre-humano, que é um estado de simplicidade, de naturalidade. Para Pirro, o ideal do homem é ser um “bom homem”, e este só se alcança pela prática da indiferença, fugindo do homem social, corrompido pelos costumes e pelas convenções.
Por isso, a filosofia de Pirro, semelhante à de Sócrates, é uma filosofia vivida, não contemplativa, um exercício de transformação do modo de viver que promove a verdadeira paz interior, a indiferenciação e a autarquia ou liberdade absoluta do homem.


PRODUÇÃO TEXTUAL: “Como o homem moderno se define: intuição ou razão”.     20 linhas
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Apostila de Filosofia               [2º ANO]     1º SEMESTRE                        Página 13


 AULA 14: CONSCIÊNCIA E SUAS RELAÇÕES COM O OUTRO.
PENSAMENTO DO DIA:Nada se espalha com maior rapidez do que um boato”. Virgílio

Para explicar as relações da consciência é preciso antes defini-la tal como Sartre o fez. Partindo da análise da consciência do homem - um ser que está no mundo, ou seja, vinculado ou indissociável enquanto corpo-mente-mundo - é possível determinar dois seres: O Ser-em-si e o Ser-para-si. O primeiro diz respeito às coisas tal como se apresentam para nós, sendo fenômeno (aparição) ou não, ou seja, existem aí no mundo (Dasein), independente de qualquer coisa. O segundo, o para-si, é a consciência que ao se defrontar com o mundo torna-se um processo dinâmico (contrastando com a inércia do em-si) e faz com que o em-si se desvele.
Essa relação evidencia a natureza do Para-si: é o nada que vê nos objetos o seu não ser, isto é, relacionado com o ser-em-si, ele (o para-si ou consciência) não se identifica com nenhum dos seres (em-si), sendo, portanto, uma falta, uma carência que é na verdade o movente para atingir aquele repouso do em-si. O para-si deseja ser.
Também o para-si é um ser contingente, mas que ao contrario do em-si quer ser causa da sua própria existência e que questiona seu próprio ser. Nisso já está implícito um conceito de liberdade que é característica do ser-para-si. Essa liberdade permite que uma subjetividade seja objetiva e nesta ação está a responsabilidade que Sartre atribui a cada homem.
A consciência quando se depara com um ser (em-si ou para-si), seja na forma de percepção, seja na de imaginação, tem uma intenção: a intencionalidade da consciência diante dos fenômenos (existentes) é uma forma negadora de outros objetos (externos) e de si mesma (interna) e por isso ela (a consciência) é o nada que vem ao mundo pelo homem e faz a relação entre ser-em-si e ser-para-si ser um fluxo recíproco entre eles.
Como a consciência não consegue se identificar com nenhum ser-em-si, ela disto se aproxima quando em relação com outra consciência. Isto porque a ação ou escolha enquanto consciência percebe a contingência e gratuidade de sua existência que geram a angústia posterior a uma sensação de náusea. Angústia porque a responsabilidade é totalmente do individuo ou de cada individuo enquanto forma de reagir ao mundo, às coisas, etc., causados pela náusea de saber que não existe um Deus ou um fundamento que determine a sua essência. Se, como diz Sartre, a existência precede a essência, o homem enquanto jogado ao mundo é quem desenvolve seus projetos e único responsável por suas ações. Estas ações podem implicar numa ética. A relação entre consciência é o que permite que a escolha seja de fato universal. Se a consciência é livre e pode escolher, quando isto se dá, quer dizer que é escolher a liberdade para todos os homens, pois se escolhe o homem (a consciência).
Dessa forma, outro é que é o espelho para um indivíduo (intersubjetividade) e determina a escolha em agir ou não da mesma forma e pode, também, melhor emitir um juízo sobre esse indivíduo. Assim, de sua frase “o inferno são os outros” é que temos a concepção de que os julgamentos são sempre parciais. Não é a defesa de um tipo de egocentrismo exacerbado, mas sim a verificação ontológica da possibilidade das escolhas seja feita universalmente devido ao fato de que ao se escolher, escolhe-se a liberdade. Há uma pretensa noção de que as escolhas conscientes se uniformizem, já que o conflito é inevitável entre seres livres que pensam e escolhem diferente. Mas o que pode ser considerado mais universal é que o homem é um ser para a morte.

QUESTIONAMENTOS:
¹.Explique: Como determinar os seres?
². Qual o papel da consciência nessa relação?

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AULA 15: MAQUIAVEL E O SEU PENSAMENTO POLÍTICO
PENSAMENTO DO DIA: A verdade é o bem próprio do homem e o único bem imortal que nos é dado usar em nossa condição de seres mortais”. Bem Johnson
O Renascimento trouxe uma série de inovações no campo cultural. Uma delas foi desenvolvida por um autor italiano, Maquiavel, que procurava fundamentar uma filosofia política tendo em vista a dominação dos homens. Essa pretensão tinha como modelo as ciências naturais que estavam em plena descoberta (física, medicina, etc.), estabelecidas por Galileu e com o próprio ideal renascentista de domínio da natureza.
Maquiavel pretendia que essa forma de conhecimento fosse aplicada também à política enquanto ciência do domínio dos homens e que tinha como pressuposto uma natureza humana imutável. Para ele, se há uniformidade nas leis gerais das ciências naturais, também deveria haver para as ciências humanas. Isso foi necessário para manter a ordem dentro do Estado burguês então nascente, que precisava desenvolver suas atividades e prosperar. Maquiavel, com base em seu pensamento político, percebeu que as formas de governo se dão de forma cíclica.
O problema para Maquiavel, entretanto, é saber a quem serve a ciência política e o que fazer para se manter no poder. Apesar de, obviamente, ser um defensor da burguesia, não se sabe ao certo qual a sua preferência de forma de governo. Mesmo assim, ele tende ora para a República, ora para a Monarquia. Para ele, essa questão é secundária, pois a sua concepção de história era cíclica e os governos sempre se degeneravam: da monarquia à tirania, desta à oligarquia e à aristocracia, que, por sua vez, recaíam na democracia que, enfim, só terá solução com um ditador. Isso acontece (e se repete) porque os seres humanos têm uma essência universal: é o desejo de poder e os vícios a que são acometidos os homens (governantes e seus sucessores) que fazem com que o governo se degenere.
Por isso, Maquiavel lança mão de dois conceitos chaves: virtu e fortuna. Este diz respeito à grande maioria dos homens, é a sorte, o destino a que estão determinados; e aquele é a excelência que poucos homens têm de previsão, capazes de fazê-los manter o poder máximo possível e para isso podem matar, roubar, mentir, sem nenhum escrúpulo.
A diferença entre Maquiavel e os outros cientistas naturais é que estes, ao publicarem suas obras, não constrangem a sociedade de modo geral, enquanto a obra de Maquiavel causa tal constrangimento, ainda que seja usada por todos os políticos de todos os tempos. Por causa disso, o adjetivo “maquiavélico” significa que “os fins justificam os meios”, ou seja, para se alcançar um objetivo (no caso de Maquiavel, o poder e sua manutenção) vale utilizar-se de qualquer método.

QUESTIONAMENTOS:

1.    Qual a base do pensamento de Maquiavel?
2.    Explique porque as formas de governo se dão de forma cíclica.



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AULA 16: OS EMPIRISTAS
PENSAMENTO DO DIA: “As palavras nos permitiram elevar-nos acima dos animais; mas é também pelas palavras que não raro descemos ao nível de seres demoníacos”. Aldous Huxley

Os empiristas ingleses no decorrer da história da Filosofia muitos filósofos defenderam a tese empirista, mas os mais famosos e conhecidos são os filósofos ingleses dos séculos XVI ao XVIII, chamados, por isso, de empiristas ingleses: Francis Bacon, John Locke, George Berkeley e David Hume. Na verdade, o empirismo é uma característica muito marcante da filosofia inglesa. Na Idade Média, por exemplo, filósofos importantes como Roger Bacon e Guilherme de Ockham eram empiristas; em nossos dias, Bertrand Russell foi um empirista.
Que dizem os empiristas? Nossos conhecimentos começam com a experiência dos sentidos, isto é, com as sensações. Os objetos exteriores excitam nossos órgãos dos sentidos e vemos cores, sentimos sabores e odores, ouvimos sons, sentimos a diferença entre o áspero e o liso, o quente e o frio, etc. As sensações se reúnem e formam uma percepção; ou seja, percebemos uma única coisa ou um único objeto que nos chegou por meio de várias e diferentes sensações. Assim, vejo uma cor vermelha e uma forma arredondada, aspiro um perfume adocicado, sinto a maciez e digo: “Percebo uma rosa”. A “rosa” é o resultado da reunião de várias sensações diferentes num único objeto de percepção.
As percepções, por sua vez, se combinam ou se associam. A associação pode dar-se por três motivos: por semelhança, por proximidade ou contigüidade espacial e por sucessão temporal. A causa da associação das percepções é a repetição. Ou seja, de tanto algumas sensações se repetirem por semelhança, ou de tanto se repetirem no mesmo espaço ou próximas umas das outras, ou, enfim, de tanto se repetirem sucessivamente no tempo, criamos o hábito de associá-las. Essas associações são as idéias.
A experiência também me mostra, todo o tempo, que se eu puser um objeto sólido (um pedaço de vela, um pedaço de ferro) no calor do fogo, não só ele se derreterá, mas também passará a ocupar um espaço muito maior no interior do recipiente. A experiência também repete constantemente para mim a possibilidade que tenho de retirar um objeto preso dentro de um outro, se eu aquecer este último, pois, aquecido, ele solta o que estava preso no seu interior, parecendo alargar-se e aumentar de tamanho.
A razão pretende, através de seus princípios, seus procedimentos e suas idéias, alcançar a realidade em seus aspectos universais e necessários. Em outras palavras, pretende conhecer a realidade tal como é em si mesma, considerando que o que conhece vale como verdade para todos os tempos e lugares (universalidade) e indica como as coisas são e como não poderiam, de modo algum, ser de outra maneira (necessidade).

PRODUÇÃO TEXTUAL: “Tente explicar a idéia de Empirismo para os filósofos ingleses dos séculos XVI ao XVIII”.

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AULA 17: CONFLITO ENTRE RAZÃO E FÉ
PENSAMENTO DO DIA: Quanto maior o poder, maior o perigo de abuso”. Edmund Burke

Fé versus Razão - conflito existente desde a Grécia antiga,
tradicionalmente o capítulo da História da humanidade relativo ao tema “conflito entre razão e fé” é atribuído a um período medieval em que se travava um confronto entre os adeptos da boa nova, isto é, a religião cristã, e seus adversários moralistas gregos e romanos, na tentativa de imporem seus pontos de vistas. Para estes, o mundo natural ou cosmos era a fonte da lei, da ordem e da harmonia, entendendo com isso que o homem faz parte de uma organização determinada sem a qual ele não se reconhece e é através do lógos que se dá tal reconhecimento. Já para os cristãos, a verdade revelada é a fonte da compreensão do que é o homem, qual é sua origem e qual o seu destino, sendo ele semelhante a Deus-pai, devendo-lhe obediência enquanto sua liberdade consiste em seguir o testamento (aliança).
Desse debate, surgem as formas clássicas de combinação dos padres medievais: aqueles que separam os domínios da razão e da fé, mas acreditam numa conciliação entre elas; aqueles que pensam que a fé deveria submeter a razão à verdade revelada; e ainda aqueles que as veem como distintas e irreconciliáveis. Esse período é conhecido como Patrística (filosofia dos padres da Igreja).
No entanto, pode-se levantar a questão de que esse conflito entre fé e razão representa apenas um momento localizado na história. A filosofia, tendo como característica a radicalidade, a insubordinação, a luta para superar pré-conceitos e estabelecer conceitos cada vez mais racionais através da história, mostra que, desde seu início, esta relação tem seus momentos de estranhamento e reconciliação. Por exemplo, na Grécia antiga, o próprio surgimento da filosofia se deu como tentativa de superar obstáculos oriundos de uma fé cega nas narrativas dos poetas Homero e Hesíodo, os educadores da Hélade. A tentativa de explicar os fenômenos a partir de causas racionais já evidenciava o confronto com as formas de pensar e agir (fé) do povo grego que pautava sua conduta pelos mitos. O próprio Sócrates, patrono da filosofia, foi condenado por investigar a natureza e isso lhe rendeu a acusação de impiedade. Mais tarde, a filosofia cristã se degladiou para fundamentar seu domínio ideológico, debatendo sobre os temas supracitados. Na era moderna, com encrudescimento da inquisição, surge o renascimento que apela à razão humana contra a tirania da Igreja. Basta olhar os exemplos de Galileu, Bruno e Descartes, que reinventaram o pensamento contra a fé cega que mantinha os homens na ignorância das trevas e reclamava o direito à luz natural da razão. A expressão máxima desse movimento foi o Iluminismo que compreendia a superação total das crenças e superstições infundadas e prometia ao gênero humano dias melhores a partir da evolução e do progresso.
Hoje, essa promessa não se cumpre devidamente. O homem dominou a natureza, mas não consegue dominar as suas paixões e interesses particulares. Declarado como expropriado dos meios de produção e forçado a sobreviver, eis que o homem se aliena do processo produtivo e se mantém em um domínio cego, numa crença inconsciente de si e do outro (ideologia). O irracionalismo cresce à medida que se promete liberdade aos seres humanos a partir de outra fé: o trabalho. O homem explora e devasta o mundo em que vive e não tem consciência disso. E tudo isso para enriquecer uma classe dominante, constatando o interesse egoísta e classista.
Parece, pois, que a luta entre razão e fé não é apenas localizada, mas contínua, já que sempre há esclarecidos, esclarecimentos e resistência a esses esclarecimentos. A razão se rebela com o estabelecido e quando se impõe, torna-se um dogma incutido nos homens de cada tempo. Numa linguagem hegeliana, uma tese que se torna antítese e necessita já de uma síntese para que a razão desdobre a si mesma.


PRODUÇÃO TEXTUAL: “conflito entre razão e fé”.   20 linhas

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Apostila de Filosofia               [2º ANO]     1º SEMESTRE                        Página 17


AULA 18: O PENSAMENTO DE HOBBES
PENSAMENTO DO DIA “Todas as pessoas cruéis descrevem-se como modelos de sinceridade”. Tennessee Williams

Para Hobbes, a mente humana é desprovida de qualquer sistema de representação anterior à experiência, no período da história humana conhecido por idade moderna, que se inicia com o Renascimento, é muito comum a pesquisa e o desenvolvimento do termo “representação” em vários aspectos, tais como os epistemológicos, políticos e religiosos. Um dos primeiros a conceber um sistema de representação foi o inglês Thomas Hobbes.
Diferente de Maquiavel, Hobbes considera a mecânica (estudo do movimento na ciência natural ou física) como modelo para sua psicologia e também para sua sociologia. Ele parte do conceito de indivíduos isolados, como átomos (que são corpos inorgânicos imutáveis e eternos) e faz a analogia com os homens no estado real de natureza. É essa analogia que pode explicar as alterações sociais.
Assim, cada indivíduo reage a movimentos exteriores numa necessidade incondicional. Vistas do interior, as reações humanas apresentam-se como vivências, sentimentos e impulsos. Para Hobbes, todos os afetos que sentimos são efeitos de fenômenos mecânicos no nosso corpo e também no mundo exterior.
Seguindo uma tradição empirista que remonta a Aristóteles, Hobbes entende que a mente humana é totalmente desprovida de qualquer representação anterior à experiência. Ela ocorre da seguinte forma:
- Em primeiro lugar, temos a sensação, que é o pensamento isolado, uma aparência da qualidade dos objetos ou acidentes destes que são exteriores a nós e que atuam nos órgãos dos sentidos. A sensação é uma primeira concepção no espírito do homem e é causada pelo movimento que os objetos proporcionam ao pressionarem (interagirem) com nossos órgãos, sendo, então, ilusória e aparente, não estando nos objetos, mas provindo deles;
- Em segundo lugar temos a imaginação, que é uma sensação diminuída, ou seja, passada. É a ilusão que se guarda na memória. A diferença entre as duas é que a imaginação é presenciada e arquivada enquanto que a memória é apenas a lembrança da ilusão no presente;
- E por último, a experiência, isto é, muita memória ou a memória de muitas coisas. A imaginação é fruto da percepção da sensação e quando há muita repetição, forma-se a expectativa futura.
Podemos também compreender mais detalhadamente segundo o esquema abaixo:
·       Sensação: contrapressão do objeto aos nossos sentidos. É a impressão;
·       Percepção: compreensão ou entendimento da sensação;
·       Imaginação: sensação diminuída (simples ou compostas);
·       Memória: sobre a diminuição da sensação, ficção do espírito;
·       Experiência: conjunto das várias memórias.
Ainda segundo o autor, os sonhos são causados por perturbações de alguma parte do corpo (interna) que provocam sonhos diversos para perturbações diversas. Os sonhos são o reverso das imaginações despertas. Com isso, Hobbes critica as religiões e os costumes que estimulam imaginações fortes, tornando as pessoas supersticiosas e despreparadas para a obediência civil.
Devemos entender, portanto, que, para Hobbes, fora da nossa mente há apenas matéria em movimento, como se fossem feixes de luzes desorganizados. Quando captamos esses feixes, a mente organiza esses dados, isto é, cria um mundo artificialmente através da linguagem (que também é artificial). A imaginação se dá pelas palavras, sinais e entendimento. Da mesma forma que se cria um mundo ilusório pra si, os indivíduos coletivamente podem criar um mundo comum para si. É a common wealth, termo inglês usado pelos filósofos para designar uma comunidade, sociedade civil organizada ou Estado.

QUESTIONAMENTOS:

1.    Explique porque  a mente humana é totalmente desprovida de qualquer representação anterior à experiência.
2.    Explique porque  a imaginação é uma sensação diminuída, ou seja, passada.
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Apostila de Filosofia               [2º ANO]     1º SEMESTRE                        Página 18



AULA 19: A ÁRVORE CARTESIANA
PENSAMENTO DO DIA:  “A honestidade, sem as regras do decoro, transforma-se em grosseria”. Confúcio

René Descartes - Autor do "discurso do Método" e das "Meditações Metafísicas", Matemático, físico e filósofo, autor do “Discurso do Método” e das “Meditações Metafísicas”, Descartes elaborou um novo método de conhecimento fundado sobre a razão, a única capaz de permitir ao homem alcançar um conhecimento perfeito das verdades mais elevadas. O famoso “Cogito ergo sum” (Penso, logo existo!) faz do pensamento o princípio da existência.
Tendo feito seus estudos clássicos com os jesuítas, Descartes logo se interessou pelas matemáticas como se fossem a causa da certeza e da evidência de suas razões. O sistema que elaborou é marcado pelo rigor. No prefácio dos Princípios da Filosofia, ele define o conhecimento (a Filosofia) semelhante a uma árvore. As raízes são constituídas pela Metafísica, indicando que todo saber do sistema se apoia sobre a existência de Deus, considerado como o revelador e criador das verdades. É, portanto, de Deus que o homem deve deduzir as regras indispensáveis para compreender o mundo. Nessa perspectiva, a Física é a aplicação dessa concepção de conhecimento, formando o tronco da árvore. E, enfim, os galhos são constituídos pelas outras ciências (Medicina, Mecânica) e a moral, que surgem como os resultados da pesquisa, sobre a qual o próprio Descartes esboça grandes tratados.
O método cartesiano resultante dessa concepção toma como ponto de partida a solução da “tábula rasa” que consiste em negar toda existência, todo dado. Mas negar supõe em si a existência de um pensamento, já que é preciso pensar para negar, evidenciando, assim, a existência de uma razão. Essa razão é suscetível de conhecer a verdade, porque Deus existe, ao mesmo tempo tendo criado o mundo e a ferramenta necessária para conhecê-lo. Essa ferramenta é o espírito humano.
Mas o homem é falível e para usar corretamente o método é preciso utilizar alguns princípios comuns. São eles:
- Saber que o bom senso é a coisa mais bem partilhada do mundo, como potência de bem julgar e distinguir o verdadeiro do falso. É a isto que denominamos bom senso ou Razão e que é igual em todos os homens;
- Necessidade de um método: não é o bastante ter o espírito bom, mas o principal é aplicá-lo bem. As grandes almas são capazes dos maiores vícios, bem como das maiores virtudes;
- Probidade intelectual: jamais receber alguma coisa por verdadeira sem que a tenha conhecido evidentemente, isto é, evitar a precipitação e a prevenção;
- Lealdade política e moderação: a primeira regra é obedecer às leis e aos costumes de meu país, observando constantemente a religião na qual Deus deu ao homem a graça de ser instruído desde a infância, devendo se autogovernar seguindo as opiniões mais moderadas e distantes dos excessos;
- Aceitação estoica do mundo: cuidar sempre de superar a si mesmo ao invés de querer mudar os outros;
- Primazia do pensamento e limite do ceticismo: notando que o Cogito é tão firme e seguro que nenhuma suposição extravagante dos céticos seria capaz de enfraquecê-lo, deve-se tê-lo pelo primeiro princípio da Filosofia.
Assim, ao compreender a realidade de forma evidente e, por isso, racional, pensada, podemos utilizar os princípios do método filosófico a fim de conservar nossa saúde, gerir melhor os negócios e também nos tornarmos melhores a nós próprios, afastando-nos da superstição e da presunção sem que com isso caiamos no ceticismo absoluto. Deus é, em última instância, a verdade que garante ao sujeito o poder de conhecer.

PRODUÇÃO TEXTUAL: O que caracteriza a árvore cartesiana.    20 linhas

DICA DE LEITURA:
LEIA: STENDAL. O vermelho e o Negro. Rio de Janeiro: Nova Cultural, 2005.
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Apostila de Filosofia               [2º ANO]     1º SEMESTRE                        Página 19

AULA 20: O EMÍLIO DE ROUSSEAU
PENSAMENTO DO DIA: “O homem é aquilo que sabe”. Francis Bacon

O EMÍLIO DE ROUSSEAU
Paul Arbousse-Baside e Lourival Gomes Machado
O Emílio é um ensaio pedagógico sob a forma de romance e nele Rousseau procura traçar as linhas gerais que deveriam ser seguidas com o objetivo de fazer da criança um adulto bom. Mais exatamente, trata dos princípios para evitar que a criança se torne má, já que o pressuposto básico do autor é a crença na bondade natural do homem. Outro pressuposto de seu pensamento consiste em atribuir à civilização a responsabilidade pela origem do mal. Conseqüentemente, os objetivos da educação, para Rousseau, comportam dois aspectos: o desenvolvimento das potencialidades naturais da criança e seu afastamento dos males sociais.
A educação deve ser progressiva, de tal forma que cada estágio do processo pedagógico seja adaptado às necessidades individuais do desenvolvimento. A primeira etapa deve ser inteiramente dedicada ao aperfeiçoamento dos órgãos dos sentidos, pois as necessidades iniciais da criança são principalmente físicas. Incapaz de abstrações, o educando deve ser orientado no sentido do conhecimento do mundo através do contato com as próprias coisas: os livros só podem fazer mal, com exceção do Robinson Crusoe, que relata as experiências de um homem livre, em contato com a natureza.
Liberta da tirania das opiniões humanas, a criança, por si mesma, e sem nenhum esforço especial, identifica-se com as necessidades de sua vida imediata e torna-se auto-suficiente. Vivendo fora do tempo, anda precisando das coisas artificiais e não encontrando qualquer desproporção entre desejo e capacidade, vontade e poder, sua existência vê-se livre de toda ansiedade com relação ao futuro e não é atormentada pelas preocupações que fazem o homem adulto civilizado viver fora de si mesmo.
É necessário, contudo, prepará-la para o futuro. Isso porque ela tem uma enorme potencialidade, não aproveitada imediatamente. A tarefa do educador consiste em reter pura e intacta essa energia até o momento propício. Nesse sentido, é particularmente importante evitar a excitação precoce da imaginação, porque esta pode tornar-se uma fonte de infelicidade futura. Outros cuidados devem ser tomados com o mesmo objetivo e todos eles podem ser alcançados ensinando-se a lição da utilidade das coisas, ou seja, desenvolvendo-se as faculdades da criança apenas naquilo que possa depois ser-lhe útil.
Até aqui, o processo educativo preconizado por Rousseau é negativo, limitando-se àquilo que não deve ser feito. A educação positiva deve iniciar-se quando a criança adquire consciência de suas relações com os semelhantes. Passa-se, assim, do terreno da pedagogia propriamente dita aos domínios da teoria da sociedade e da organização política.
in Os Pensadores: Rousseau, São Paulo: Ed. Abril, 1978, introd. pgs. XVII-XVIII.

PRODUÇÃO TEXTUAL: Estabeleça a sua ideia de educação.      20 linhas


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Apostila de Filosofia               [2º ANO]     1º SEMESTRE                        Página 20

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