AULA 01: [A LIBERDADE DO CIDADÃO]
PENSAMENTO DO DIA: “Dois
homens olham pela mesma janela, um vê a lama, o outro vê as estrelas” Frederick
Lambridge
Os
direitos humanos, distinguem-se, como tais, dos direitos civis. Qual o homem*
que aqui se distingue do cidadão? Simplesmente, o membro da sociedade burguesa. Por que se chama o membro da
sociedade burguesa de "homem", homem simplesmente, e dá-se a seus
direitos o nome de direitos humanos? Como
explicar o fato? Pelas relações entre o Estado político e a sociedade
burguesa, pela essência da emancipação política.
Registremos,
antes de mais nada, o fato de que os chamados direitos humanos, ao contrário dos [direitos do cidadão], nada
mais são do que direitos do membro da
sociedade burguesa, isto é, do homem egoísta, do homem separado do homem e
da comunidade. A mais radical das Constituições, a Constituição de 1793,
proclamou:
* Neste
trecho, todas as palavras em negrito estavam em francês no original alemão, de
Marx.
Declaração
dos direitos do homem e do cidadão
Art. 2:
Estes direitos, etc. (os direitos naturais e imprescritíveis) são: a igualdade, a liberdade, a segurança e a
propriedade.
Em que
consiste a liberdade?
Art. 6:
"A liberdade é o poder próprio do homem de fazer tudo aquilo que não
conflite com os direitos de outro'* ou, segundo a Declaração dos Direitos do
Homem, de 1791; "A liberdade é o poder próprio do homem de fazer tudo
aquilo que não prejudique a ninguém".
A
liberdade, por conseguinte, é o direito de fazer e empreender tudo aquilo que
não prejudique os outros. O limite dentro do qual todo homem pode mover-se inocuamente em direção a outro é
determinado pela lei, assim como as cercas marcam o limite ou a linha
divisória entre duas terras. Trata-se da liberdade do homem como de uma mônada
isolada, dobrada sobre si mesma. (...)
A
aplicação prática do direito humano da liberdade é o direito humano à propriedade privada.
Em que
consiste o direito humano à propriedade privada?
Art. 16
(Constituição de 1793): "O direito à
propriedade é o direito assegurado a todo cidadão de gozar e dispor de
seus bens, rendas, dos frutos de seu trabalho e de sua indústria como melhor
lhe convier".
O
direito humano à propriedade privada, portanto, é o direito de desfrutar de seu
patrimônio e dele dispor arbitrariamente (à son
gré), sem atender aos demais homens, independentemente da sociedade, é o
direito do interesse pessoal. A liberdade individual e esta aplicação sua
constituem o fundamento da sociedade burguesa. Sociedade que faz com que todo
homem encontre noutros homens não a realização
de sua liberdade, mas, pelo contrário, a limitação desta. (...)
Somente
quando o homem individual real recupera em si o cidadão abstrato e se converte
como homem individual, em ser genérico, em
seu trabalho individual e em suas relações individuais; somente quando o homem
tenha reconhecido e organizado suas "próprias forças" como forças sociais e quando, portanto, já não
separa de si a força social sob a forma de força
política, somente então se processa a emancipação humana.
TAREFA -
Em equipes: Encontre respostas para os questionamentos do texto. [Relatório no
final].
DICA de LEITURA:
LEIA: RIBEIRO, João Ubaldo.
Diário do Farol. São Paulo: Nova Fronteira, 2002
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Apostila
de Filosofia [2º ANO] 1º SEMESTRE Página 01
AULA
02: [O HOMEM É LIBERDADE]
PENSAMENTO DO DIA: ”Um
livro deve ser o machado que quebra o mar de gelo em nós mesmos”. Franz Kafka
Dostoievski escreveu: "Se Deus não
existisse, tudo seria permitido". Aí se situa o ponto de partida do
existencialismo. Com efeito, tudo é permitido se Deus não existe, fica o homem,
por conseguinte, abandonado, já que não encontra em si, nem fora de si, uma
possibilidade a que se apegue. Antes de mais nada, não há desculpas para ele.
Se, com efeito, a existência precede a essência, não será nunca possível
referir uma explicação a uma natureza humana dada e imutável; por outras
palavras, não há determinismo, o homem é livre, o homem é liberdade. Se, por
outro lado, Deus não existe, não encontramos diante de nós valores ou
imposições que nos legitimem o comportamento. Assim, não temos nem atrás de
nós, nem diante de nós, no domínio luminoso dos valores, justificações ou
desculpas. Estamos sós e sem desculpas. É o que traduzirei dizendo que o homem
está condenado a ser livre. Condenado porque não se criou a si próprio; e, no
entanto, livre porque, uma vez lançado ao mundo, é responsável por tudo quanto
fizer. O existencialista não crê na força da paixão. Não pensará nunca que uma
bela paixão é uma torrente devastadora que conduz fatalmente o homem a certos
atos e que, por conseguinte, tal paixão é uma desculpa. Pensa, sim, que o
homem é responsável por essa sua paixão. O existencialista não pensará também
que o homem pode encontrar auxílio num sinal dado sobre a terra, e que o há de
orientar; porque pensa que o homem decifra ele mesmo esse sinal como lhe
aprouver. Pensa, portanto, que o homem, sem qualquer apoio e sem qualquer
auxílio, está condenado a cada instante a inventar o homem. Disse Ponge num
belo artigo: "O homem é o futuro do homem". É perfeitamente exato.
Somente, se se entende por isso que tal futuro está inscrito no céu, que Deus o
vê, nesse caso é um erro, até porque nem isso seria um futuro. Mas se se
entender por isso que, seja qual for o homem, tem um futuro virgem que o
espera, então essa frase está certa.
[SARTRE,
Jean-Paul. O existencialismo é um
humanismo, Col. Os pensadores. São Paulo, Abril Cultural, 1973. .
PRODUÇÃO TEXTUAL: “Se Deus não existisse,
tudo seria permitido". 20 linhas
DICA DE LEITURA:
LEIA: ECO, Umberto. Segundo
Diário Mínimo. São Paulo: Record, 2002
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Apostila
de Filosofia [2º ANO] 1º SEMESTRE Página 02
AULA
03: [O QUE É POLÍTICA]
PENSAMENTO DO DIA:
”Pensar contra a corrente de seu tempo é heróico, dizê-lo é uma loucura”.
Eugéne Ionesco
A política
é a atividade que diz respeito à vida pública. Etimologicamente, polis, em grego, significa
"cidade". A política é portanto a arte de governar, de gerir os
destinos da cidade. O homem político é aquele
que atua na vida pública e é investido de poder para imprimir determinado
rumo à sociedade, tendo em vista o interesse comum.
A ação política não é exclusividade de alguns
seres especiais. Cada indivíduo, enquanto cidadão
(filho da cidade) deveria ter espaços de participação efetiva que em
absoluto não se restringem apenas ao exercício do voto! Este é apenas um dos instrumentos da cidadania na
sociedade democrática. Portanto, todos nós temos uma dimensão política que
precisa ser atuante.
Embora não se confunda com as atividades
comuns do homem (na família, trabalho, lazer etc.), a política de certa forma permeia todas as atividades humanas o
tempo todo. Interfere na vida de cada um de múltiplas maneiras: na
regulamentação legal das ações dos cidadãos, já que as leis são feitas pelos
representantes escolhidos pelo povo; na gestão dos assuntos relativos à educação,
saúde, abastecimento, transportes; nos aparelhos repressivos como tribunais,
polícia, prisões. É impossível pensar em um setor sequer onde, de uma forma ou
de outra, em maior ou menor grau, a influência da política não se exerça na
vida de cada um.
Por exemplo, nas esquinas movimentadas das
grandes cidades costumamos ver vendedores de balas, limões, etc. Na maioria
das vezes são crianças. A primeira impressão é de que certas pessoas escolhem
de livre e espontânea vontade esse tipo de serviço, mas a análise cuidadosa
revela a realidade cruel do desemprego e conseqüentemente de formas marginais
de sobrevivência, como o subemprego. Diante das taxas de escolarização, ficamos
sabendo que pelo menos um terço das nossas crianças em idade escolar se
encontra fora da escola.
Não é possível analisar tal situação como
simples decorrência da vontade de cada um: as crianças não freqüentam escola e
estão soltas na rua não por vontade própria, nem porque seus pais são relapsos.
Antes, é preciso tentar entender por que o Brasil tem um dos índices mais
vergonhosos de distribuição de renda, ao mesmo tempo que se situa entre os
oito ou dez países mais ricos do mundo!
PRODUÇÃO TEXTUAL: “Analise a
realidade cruel do desemprego em sua cidade". 20 linhas
DICA DE LEITURA:
LEIA: KUNDERA, Milan. A
Insustentável Leveza do Ser. São Paulo: Record, 2002
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Apostila
de Filosofia [2º ANO] 1º SEMESTRE Página 03
AULA
04: [O CIDADÃO NÃO EDUCADO]
PENSAMENTO DO DIA: ”Se
lembra quando a gente chegou um dia a acreditar, que tudo era pra sempre, sem
saber que o pra sempre, sempre acaba”. Renato Russo
(...) Nos dois últimos séculos, nos discursos
apologéticos sobre a democracia, jamais esteve ausente o argumento segundo o
qual o único modo de fazer com que um súdito transforme-se em cidadão é o de
lhe atribuir aqueles direitos que os escritores de direito público do século
passado tinham chamado de activae
civitatis*; com isso, a educação para a democracia surgiria no próprio
exercício da prática democrática. Primeiro vem a ditadura revolucionária e
apenas depois, num segundo tempo, o reino da virtude. Não, para o bom
democrata, o reino da virtude (que para Montesquieu constituía o princípio da
democracia contraposto ao medo, princípio do despotismo) é a própria
democracia, que, entendendo a virtude como amor pela coisa pública, dela não
pode privar-se e ao mesmo tempo a promove, a alimenta e reforça. Um dos trechos mais exemplares a este
respeito é o que se encontra no capítulo sobre a melhor forma de governo das Considerações sobre o governo representativo
de John Stuart Mill, na passagem em que ele divide os cidadãos em ativos e
passivos e esclarece que, em geral, os governantes preferem os segundos (pois
é mais fácil dominar súditos dóceis ou indiferentes), mas a democracia
necessita dos primeiros. Se devessem prevalecer os cidadãos passivos, ele
conclui, os governantes acabariam prazerosamente por transformar seus súditos
num bando de ovelhas dedicadas tão-somente a pastar o capim uma ao lado da
outra {e a não reclamar, acrescento eu, nem mesmo quando o capim é escasso).
Isto o levava a propor a extensão do sufrágio às classes populares, com base no
argumento de que um dos remédios contra a tirania das maiorias encontra-se
exatamente na promoção da participação eleitoral não só das classes acomodadas
(que constituem sempre uma minoria e tendem naturalmente a assegurar os
próprios interesses exclusivos), mas também das classes populares. Stuart Mill
dizia: a participação eleitoral tem um grande valor educativo; é através da
discussão política que o operário, cujo trabalho é repetitivo e concentrado no
horizonte limitado da fábrica, consegue compreender a conexão existente entre
eventos distantes e o seu interesse pessoal e estabelecer relações com
cidadãos diversos daqueles com os quais mantém relações cotidianas,
tornando-se assim membro consciente de uma comunidade.
* Em
latim no original: cidadania ativa, direitos do cidadão. (N. do T.)
[BOBBIO,
Norberto. O futuro da democracia. Rio
de Janeiro, Paz e Terra, 1986. p. 31-32.]
PRODUÇÃO TEXTUAL: “Faça um paralelo entre
cidadania ativa e os direitos do cidadão".
20 linhas
DICA de LEITURA:
LEIA: MARQUES, Gabriel Garcia. Cem Anos de Solidão São Paulo: Record,
2002.
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Apostila
de Filosofia [2º ANO] 1º SEMESTRE Página 04
AULA
05: [DE REPENTE, APARECE A GENTE]
PENSAMENTO DO DIA: “Escolhe
cedo um ideal que possa perdurar por toda a tua vida.” Dênis Diderot
(...) Se alguém tivesse tido esta tarde o bom
humor de sair pelas ruas da cidade vestido com elmo, lança e cota de malha, o
mais provável é que dormisse esta noite num manicômio ou numa delegacia de
polícia. Porque não é uso, não é costume. Em compensação, se esse alguém faz o
mesmo num dia de carnaval, é possível que lhe concedam o primeiro prêmio de
mascarado. Por quê? Porque é uso, porque é costume mascarar-se nessas festas.
De modo que uma ação tão humana, como é a de se vestir, não a realizamos por
própria inspiração, mas nos vestimos de uma maneira e não de outra,
simplesmente porque se usa. Ora, o usual, o costumeiro, fazemo-lo porque se
faz. Mas, quem faz o que se faz? Ora!... A gente. Muito bem! E quem é a gente?
Ora... Todos, ninguém determinado. Isso nos leva a reparar que uma enorme
porção de nossas vidas se compõe de coisas que fazemos, não por gosto, nem
inspiração, nem conta própria, mas simplesmente porque a gente as faz e, como o
Estado, antes, a gente, agora, nos força a ações humanas que provêm dela e não
de nós.
Pega:
uma
espécie de ave.
E mais ainda: comportamo-nos em nossa vida
orientando-nos, nos pensamentos que temos, sobre o que as coisas são; mas se
dermos um balanço dessas idéias ou opiniões, com as quais e das quais vivemos,
acharemos com surpresa que muitas delas — talvez a maioria — não as pensamos
nunca por nossa conta, com plena e responsável evidência de sua verdade; ao
contrário, pensamo-las porque as ouvimos e dizemo-las porque se dizem. Eis aqui este estranho impessoal,
o se, que agora aparece instalado dentro de nós, formando parte de nós,
pensando ele idéias que nós simplesmente pronunciamos.
Muito bem. E então; quem diz o que se diz? Sem dúvida, cada um de nós; mas dizemos "o que
dizemos" como o guarda nos impede o passo; dizemo-lo, não por conta
própria, mas por conta desse sujeito impossível de capturar, indeterminado e
irresponsável que é a gente, a sociedade,
a coletividade. Na medida em que penso e falo — não por própria e
individual evidência, mas repetindo isso que se diz e que se opina — minha
vida deixa de ser minha, deixo de ser o personagem individualíssimo que sou, e
atuo por conta da sociedade: sou um autômato social, estou socializado.
ORTEGA
Y GASSET. O homem e a gente. Rio de Janeiro, Livro
Ibero-Americano, 1960. p. 206-207.
QUESTIONAMENTOS:
1.
Como de repente aparece a
gente?
2.
Muito bem! E quem é a gente?
PRODUÇÃO TEXTUAL: “Faça um apanhado
histórico da existência humana: Se posicione, tenha atitude”. 20 linhas
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Apostila
de Filosofia [2º ANO] 1º SEMESTRE Página 05
AULA 06: [A EXISTÊNCIA PRECEDE A ESSÊNCIA]
PENSAMENTO DO DIA: “Posso
não concordar com nada do que dizes, mas morro defendendo o seu direito de
dizê-lo”. Voltaire
Quando concebemos um Deus criador, esse Deus
identificamo-lo quase sempre com um artífice superior; e qualquer que seja a
doutrina que consideremos, trate-se duma doutrina como a de Descartes ou a de Leibniz, admitimos sempre que a
vontade segue mais ou menos a inteligência ou pelo menos a acompanha, e que
Deus, quando cria, sabe perfeitamente o que cria. Assim o conceito do homem, no
espírito de Deus, é assimilável ao conceito de um corta-papel no espírito do
industrial; e Deus produz o homem segundo técnicas e uma concepção, exatamente
como o artífice fabrica um corta-papel segundo uma definição e uma técnica.
Assim o homem individual realiza um certo conceito que está na inteligência
divina. No homem possui uma natureza humana; esta natureza, que é o conceito
humano, encontra-se em todos os homens, o que significa que cada homem é um
exemplo particular de um conceito universal — o homem; para Kant resulta de
tal universalidade que o homem da selva, o homem primitivo, como o burguês,
estão adstritos à mesma definição e possuem as mesmas qualidades de base.
Assim, pois, ainda aí, a essência do homem precede essa existência histórica
que encontramos na natureza. (...) O existencialismo ateu, que eu represento, é
mais coerente. Declara ele que, se Deus não existe, há pelo menos um ser no
qual a existência precede a essência, um ser que existe antes de poder ser
definido por qualquer conceito, e que este ser é o homem ou, como diz
Heidegger, a realidade humana. Que significará aqui o dizer-se que a
existência precede a essência? Significa que o homem primeiramente existe, se
descobre, surge no mundo; e que só depois se define. O homem, tal como o
concebe o existencialista, se não é definível, é porque primeiramente não é
nada. Só depois será alguma coisa e tal como a si próprio se fizer. Assim, não
há natureza humana, visto que não há Deus para a conceber. O homem é, não
apenas como ele se concebe, mas como ele quer que seja. como ele se concebe
depois da existência, como ele se deseja após este impulso para a existência;
o homem não é mais que o que ele faz. Tal é o primeiro princípio do
existencialismo. É também a isso que se chama a subjetividade, e o que nos
censuram sob este mesmo nome. Mas que queremos dizer nós com isso, senão que o
homem tem uma dignidade maior do que uma pedra ou uma mesa? Porque o que nós
queremos dizer é que o homem primeiro existe, ou seja, que o homem, antes de
mais nada, é o que se lança para um futuro, e o que é consciente de se projetar
no futuro. (...) Mas se verdadeiramente a existência precede a essência, o
homem é responsável por aquilo que é. Assim, o primeiro esforço do
existencialismo é o de pôr todo homem no domínio do que ele é e de lhe atribuir
a total responsabilidade da sua existência. E, quando dizemos que o homem é
responsável por si próprio, não queremos dizer que o homem é responsável pela
sua restrita individualidade, mas que é responsável por todos os homens.
SARTRE,
Jean-Paul. O existencialismo é um humanismo,
Col. Os pensadores. São Paulo, Abril Cultural, 1973. p. 11-12.
PRODUÇÃO TEXTUAL: “Então o homem é como
ele quer ser”. 20 linhas
DICA DE LEITURA:
LEIA: ALIGHIERI, Dante. A Divina
Comédia. Rio de Janeiro: Nova Cultural, 2002.
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Apostila
de Filosofia [2º ANO] 1º SEMESTRE Página 06
AULA
07: [O MITO DO SUPERMAN]
PENSAMENTO DO DIA: “O
maior bem que pode existir em um Estado é ter verdadeiros filósofos”. René
Descartes
Uma imagem simbólica de particular interesse
é a do Superman. O herói provido de poderes superiores aos do homem comum é
uma constante da imaginação popular, de Hércules a Sigfrid, de Roldão a
Pantagruel e até a Peter Pan. Freqüentemente, a virtude do herói se humaniza, e
os seus poderes, mais que sobrenaturais, são a alta realização de um poder natural,
a astúcia, a velocidade, a habilidade bélica, e mesmo a inteligência
silogizante e o puro espírito de observação, como acontece em Sherlock Holmes.
Mas numa sociedade particularmente nivelada, em que as perturbações
psicológicas, as frustrações, os complexos de inferioridade estão na ordem do
dia; numa sociedade industrial, onde o homem se torna número no âmbito de uma
organização que decide por ele,.
O Superman é o mito típico de tal gênero de
leitores: o Superman não é um terráqueo, mas chegou à Terra, ainda menino,
vindo do planeta Crípton. Crípton estava para ser destruído por uma catástrofe
cósmica e o pai do Superman, hábil cientista, conseguira pôr o filho a salvo,
confiando-o a um veículo espacial. Crescido na Terra, o Superman vê-se dotado
de poderes sobre-humanos. Sua força é praticamente ilimitada, ele pode voar no
espaço a uma velocidade igual à da luz, e quando ultrapassa essa velocidade
atravessa a barreira do tempo, e pode transferir-se para outras épocas. Com a
simples pressão das mãos, pode submeter o carbono a uma tal temperatura que o
transforma em diamante; em poucos segundos, a uma velocidade supersônica, pode
derrubar uma floresta inteira, transformar árvores em toros e construir com
eles uma aldeia ou um navio; pode perfurar montanhas, levantar transatlânticos,
abater ou edificar diques; seus olhos de raios X permitem-lhe ver através de
qualquer corpo, a distâncias praticamente ilimitadas, fundir com o olhar
objetos de metal; seu superouvido coloca-o em condições vantajosíssimas,
permitindo-lhe escutar discursos de qualquer ponto que provenham.
Todavia, a imagem do Superman não escapa
totalmente às possibilidades de identificação por parte do leitor. De fato, o
Superman vive entre os homens sob as falsas vestes do jornalista Clark Kent; e,
como tal, é um tipo aparentemente medroso, tímido, de medíocre inteligência, um
pouco embaraçado, míope, súcubo da matriarcal e mui solícita colega Miriam
Lane, que, no entanto, o despreza, estando loucamente enamorada do Superman.
Narrativa mente, a dupla identidade do Superman tem uma razão de ser, porque
permite articular de modo bastante variado a narração das aventuras do nosso
herói, os equívocos, os lances teatrais, um certo suspense próprio de romance policial. Mas, do ponto de vista mito
poético, o achado chega mesmo a ser sapiente: de fato, Clark Kent personaliza,
de modo bastante típico, o leitor médio torturado por complexos e desprezado pelos seus semelhantes; através de um
óbvio processo de identificação, um accountant
qualquer, de uma cidade norte-americana qualquer, nutre secretamente a
esperança de que um dia, das vestes da sua atual personalidade.
ECO,
Umberto. Apocalípticos e integrados. São
Paulo,
Perspectiva. 1970. p. 246-248.
PRODUÇÃO TEXTUAL: “Estabeleça as características
do Superman e explique por existe o mito do Superman".. 20 linhas
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Apostila
de Filosofia [2º ANO] 1º SEMESTRE Página 07
AULA
08: [A HERANÇA ILUMINISTA]
PENSAMENTO DO DIA: “Os
artistas pensam segundo as palavras e os filósofos pensam segundo as leis”.
Albert Camus
"A Ilustração foi, apesar de tudo, a
proposta mais generosa de emancipação jamais oferecida ao gênero humano. Ela
acenou ao homem com a possibilidade de construir racionalmente o seu destino,
livre da tirania e da superstição. Propôs ideais de paz e tolerância, que até
hoje não se realizaram. Mostrou o caminho para que nos libertássemos do reino
da necessidade, através do desenvolvimento das forças produtivas.
Seu ideal de ciência era o de um saber posto
a serviço do homem, e não o de um saber cego, seguindo uma lógica desvinculada
de fins humanos. Sua moral era livre e visava uma liberdade concreta,
valorizando, como nenhum outro período, a vida das paixões e pregando uma ordem
em que o cidadão não fosse oprimido pelo Estado, o fiel não fosse oprimido pela
religião, e a mulher não fosse oprimida pelo homem. Sua doutrina dos direitos
humanos era abstrata, mas por isso mesmo universal, transcendendo os limites do
tempo e do espaço, suscetível de apropriações sempre novas, e gerando
continuamente novos objetivos políticos." Rouanet.)
Assim, a tarefa iniciada por Kant, de
superação da incapacidade humana de se servir do seu próprio entendimento e
ousar servir-se da própria razão, não poderá jamais ser completada. É tarefa
que precisa ser refeita a cada momento, a partir das duas condições necessárias:
o exercício da razão crítica e da crítica racional.
Hoje, entretanto, os conceitos de razão e de
crítica devem ser reexaminados.
Quando falamos em razão, não mais acreditamos
ingenuamente que, só pelo fato de sermos homens, sejamos automaticamente
racionais. Devemos, a partir dos estudos de Freud e Marx, admitir que a razão
pode também ser deturpadora e pervertida, ou seja, admitir que tanto os
impulsos do inconsciente quanto a ideologia (ou falsa consciência) são
responsáveis por distorções que colocam a razão a serviço da mentira e do
poder.
O exercício da razão plena é a tarefa do novo
Iluminismo, que deve mostrar aos defensores do irracionalismo que a crítica
não-racional leva ao conformismo, uma vez que, sem o trabalho conceituai, não
há como sair da facticidade, ou seja, do vivido.
Assim, a nova razão crítica precisa: fazer a
crítica dos limites internos e externos da razão, consciente de sua
vulnerabilidade ao irracional; estabelecer os princípios éticos que fundamentam
sua função normativa; vincular essa construção a raízes sociais contemporâneas,
submetendo-a
à prova de realidade. Esse solo social
aparece no processo comunicativo, dentro do qual os sujeitos propõem e criticam
argumentos, criticam as motivações subjacentes e desenvolvem as capacidades
humanas de saber, de busca da verdade, da justiça e da autonomia.
QUESTIONAMENTOS:
1.
Qual era o ideal de ciência? Como é compreendida a incapacidade humana?
2.
O que precisa a nova visão crítica?
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Apostila
de Filosofia [2º ANO] 1º SEMESTRE Página 08
AULA
09: [ O NOVO ILUMINISMO]
PENSAMENTO DO DIA: “Os
filósofos são mais anatomistas que os médicos: dissecam, mas não curam”.
Antoine Rivarol
Assim, o novo Iluminismo proclama sua crença
no pluralismo e na tolerância e combate todos os fanatismos, sabendo que eles
não se originam da manipulação consciente do clero e dos tiranos, como julgava
a Ilustração, e sim da ação de mecanismos sociais e psíquicos muito mais
profundos. Revive a crença no progresso,
mas o dissocia de toda filosofia da história, que o concebe como uma tendência
linear e automática, e passa a vê-lo como algo de contingente, probabilístico e
dependente da ação consciente do homem. O único progresso humanamente relevante
é o que contribui de fato para o bem-estar de todos, e os automatismos do
crescimento econômico não bastam para assegurá-lo. O progresso, nesse sentido,
não é uma doação espontânea da técnica, mas uma construção intencional pela
qual os homens decidem o que deve ser produzido, como e para quem, evitando ao
máximo os custos sociais e ecológicos de uma industrialização selvagem. Esse
progresso não pode depender nem de decisões empresariais isoladas nem das
diretrizes burocráticas de um Estado centralizador, e sim de impulsos emanados
da própria sociedade. O Iluminismo mantém sua fé na ciência, mas sabe que ela
precisa ser controlada socialmente e que a pesquisa precisa obedecer a fins e
valores estabelecidos por consenso, para que ela não se converta numa força cega,
a serviço da guerra e da dominação. Repõe em circulação a noção kantiana da
"paz perpétua", com pleno conhecimento das forças sócio-econômicas
que conduzem à guerra. Resgata o ideal do cosmopolitismo, do Weltbürgertum, sabendo que nas condições
atuais a universalidade possível não poderá ir muito além da esfera cultural.
Assume como sua bandeira mais valiosa a doutrina dos direitos humanos, sem
ignorar que na maior parte da humanidade só profundas reformas sociais e
políticas podem assegurar sua fruição efetiva. Combate o poder ilegítimo,
consciente de que ele não se localiza apenas no Estado tirânico, mas também na
sociedade, em que ele se tornou invisível e total, molecular e difuso,
aprisionando o indivíduo em suas malhas tão seguramente como na época da
monarquia absoluta. Luta pela liberdade, cônscio de que ela não pode ser
apenas o do citoyen rousseauísta, mas
também a de todos que se inserem em
campos setoriais de opressão, regidos por versões "regionais" da
dialética hegeliana do senhor e do escravo, como a relação homem-mulher,
heterossexual-homossexual, etnia dominante-etnias minoritárias.
ROUANET,
Sérgio Paulo. As razões do Iluminismo. São
Paulo, Companhia das Letras, 1987.
PRODUÇÃO TEXTUAL: “Fale das novas razões do
iluminismo: suas verdadeiras perspectivas”.
20 linhas
DICA DE LEITURA:
LEIA:
DOSTOIÉVSKI. Crime e Castigo. Rio de
Janeiro: Nova Cultural, 2004.
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Apostila
de Filosofia [2º ANO] 1º SEMESTRE Página 09
AULA
10: [ COMO IDENTIFICAR A RAZÃO ]
PENSAMENTO DO DIA: “A filosofia é o
melhor remédio para a mente”. Cícero
Em nossa
vida cotidiana usamos a palavra razão em muitos sentidos. Dizemos, por exemplo,
“eu estou com a razão”, ou “ele não tem razão”, para significar que nos
sentimos seguros de alguma coisa ou que sabemos com certeza alguma coisa.
Também dizemos que, num momento de fúria ou de desespero, “alguém perde a
razão”, como se a razão fosse alguma coisa que se pode ter ou não ter, possuir
e perder, ou recuperar, como na frase: “Agora ela está lúcida, recuperou a
razão”. Falamos também frases como: “Se você me disser suas razões, sou capaz
de fazer o que você me pede”, querendo dizer com isso que queremos ouvir os
motivos que alguém tem para querer ou fazer alguma coisa. Fazemos perguntas
como: “Qual a razão disso?”, querendo saber qual a causa de alguma coisa e,
nesse caso, a razão parece ser alguma propriedade das coisas.
Por
identificar razão e certeza, a Filosofia afirma que a verdade é racional; por
identificar razão e lucidez (não ficar ou não estar louco), a Filosofia chama
nossa razão de luz e luz natural; por identificar razão e motivo, por
considerar que sempre agimos e falamos movidos por motivos, a Filosofia afirma
que somos seres racionais e que nossa vontade é racional; por identificar razão
e causa e por julgar que a realidade opera de acordo com relações causais, a
Filosofia afirma que a realidade é racional.
É muito
conhecida a célebre frase de Pascal, filósofo francês do século XVII: “O
coração tem razões que a razão desconhece”. Nessa frase, as palavras razões
e razão não têm o mesmo significado, indicando coisas diversas. Razões
são os motivos do coração, enquanto razão é algo diferente de coração;
este é o nome que damos para as emoções e paixões, enquanto “razão” é o nome
que damos à consciência intelectual e moral. Ao dizer que o coração tem suas
próprias razões, Pascal está afirmando que as emoções, os sentimentos ou as
paixões são causas de muito do que fazemos, dizemos, queremos e pensamos. Ao
dizer que a razão desconhece “as razões do coração”, Pascal está afirmando que
a consciência intelectual e moral é diferente das paixões e dos sentimentos e
que ela é capaz de uma atividade própria não motivada e causada pelas emoções,
mas possuindo seus motivos ou suas próprias razões.
Assim, a
frase de Pascal pode ser traduzida da seguinte maneira: Nossa vida emocional
possui causas e motivos (as “razões do coração”), que são as paixões ou os
sentimentos, e é diferente de nossa atividade consciente, seja como atividade
intelectual, seja como atividade moral. A consciência é a razão. Coração e
razão, paixão e consciência intelectual ou moral são diferentes. Se alguém
“perde a razão” é porque está sendo arrastado pelas “razões do coração”. Se
alguém “recupera a razão” é porque o conhecimento intelectual e a consciência
moral se tornaram mais fortes do que as paixões. A razão, enquanto consciência
moral, é a vontade racional livre que nãose deixa dominar pelos impulsos
passionais, mas realiza as ações morais como atos de virtude e de dever,
ditados pela inteligência ou pelo intelecto.
PRODUÇÃO TEXTUAL: “Explique o processo da
perda e recuperação da razão”
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Apostila
de Filosofia [2º ANO] 1º SEMESTRE Página 10
AULA
11: O HOMEM BOM E VIRTUOSO
PENSAMENTO DO DIA: “É sempre possível
aprender alguma sabedoria com um sábio”. Eurípedes
A palavra ethos é de etimologia grega e significa comportamento, ação, atividade. É dela que deriva a palavra ética. A ética é, portanto, o estudo do comportamento, das ações, das escolhas e dos valores humanos. Mas no nosso cotidiano ocorre de percebermos que há uma série de modelos de “éticas” diferentes que postulam modos de vida e de ação, por vezes excludentes. Qual é o melhor tipo de vida (se é que há um)? O que é a felicidade? É melhor ser feliz ou fazer o bem ou o que é certo?
Perguntas como essas
são feitas em todas as épocas da história humana. E desde a antiguidade
clássica dos gregos, já havia muitos modelos de respostas para elas. Uma delas
é a fornecida pelo filósofo Aristóteles, famoso por sua Metafísica. Vamos nos
aprofundar um pouquinho mais no que ele tem a nos dizer.
Em seu livro “Ética a
Nicômaco”, Aristóteles consagrou a tão famosa ética do
meio-termo. Em meio a um período de efervescência cultural, o prazer e o estudo
se confrontam para disputar o lugar de melhor meio de vida. No entanto, a
sobriedade de nosso filósofo o fez optar por um caminho que condene ambos os
extremos, sendo, pois, os causadores dos excessos e dos vícios.
A metrética
(medida) que usa o estagirita (Aristóteles era chamado assim por ter nascido em
Estagira) procurava o caminho do meio entre vícios e virtudes, a fim de
equilibrar a conduta do homem com o seu desenvolvimento material e espiritual.
Assim, entendido que a especificidade do homem é a de ser um animal racional, a
felicidade
só poderia se relacionar com o total desenvolvimento dessa
capacidade. A felicidade é o estado de espírito a que aspira o homem e para
isso é necessário tanto bens materiais como espirituais.
Aristóteles
herda o conceito de virtude ou excelência de seus antecessores, Sócrates
e Platão, para os quais um homem deve ser senhor de si, isto é, ter
autocontrole (autarquia). Trata-se do modo de pensar que promove o homem como
senhor e mestre dos seus desejos e não escravos destes. O homem bom e virtuoso
é aquele que alia inteligência e força, que utiliza adequadamente sua riqueza
para aperfeiçoar seu intelecto. Não é dado às pessoas simples nem inocentes,
tampouco aos bravos, porém tolos. A excelência é obtida através da repetição do
comportamento, isto é, do exercício habitual do caráter que se forma desde a
infância.
Segundo
Aristóteles, as qualidades do caráter podem ser dispostas de modo que
identifiquemos os extremos e a justa medida. Por exemplo, entre a covardia e a
audácia está a coragem; entre a belicosidade e a bajulação está a amizade;
entre a indolência e a ganância está a ambição e etc. É interessante notar a
consciência do filósofo ao elaborar a teoria do meio-termo. Conforme ele,
aquele que for inconsciente de um dos extremos, sempre acusará o outro de
vício. Por exemplo, na política, o liberal é chamado de conservador e radical
por aqueles que são radicais e conservadores. Isso porque os extremistas não
enxergam o meio-termo.
Portanto,
seguindo o famoso lema grego “Nada em excesso”, Aristóteles formula
a ética da virtude baseada na busca pela felicidade, mas felicidade humana,
feita de bens materiais, riquezas que ajudam o homem a se desenvolver e não se
tornar mesquinho, bem como bens espirituais, como a ação (política) e a
contemplação (a filosofia e a metafísica).
PRODUÇÃO TEXTUAL: “Faça um paralelo entre a
noção de Inconsciente e consciente".
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Apostila
de Filosofia [2º ANO] 1º SEMESTRE Página 11
AULA
12: ÉTICA EM EPICURO
PENSAMENTO DO DIA: “A vida feliz consiste
na tranqüilidade da mente”. Cícero
A doutrina de
Epicuro surgiu em um momento de insatisfação com a condição das Cidades-Estados
gregas. A vida social na Pólis era leviana e marcada pela injustiça social. O
poder se concentrava nas mãos de poucos: a aristocracia urbana. Não havia
felicidade entres os homens no contexto social, no qual as pessoas se
interessavam estritamente pelas riquezas e pelo poder; no contexto religioso,
no qual predominava a superstição, a religião tornou-se servil, cercada de
mitos e ritos sem significação e também crescia a procura por oráculos e a
crença em adivinhações. As pessoas gozavam dos prazeres mais supérfluos
advindos das riquezas e, assim, eram relativamente felizes, pois estavam se
esquecendo do que realmente proporciona a felicidade. Foi a partir disso que
Epicuro criou sua doutrina contra a superstição e os bens materiais, voltada
para uma reflexão interior e busca da verdadeira felicidade.
Essa doutrina é
dividida em canônica, física e ética. Porém, as duas primeiras
partes são esclarecimentos para a fundamentação da ética, visto que as ciências
naturais só são importantes na medida em que servem de auxílio à moral. Nenhuma
teoria é válida se não possuir um objetivo moral, o qual não possa ser aplicado
na vida prática. A finalidade de sua ética consiste em propiciar a felicidade
aos homens, de modo que essa possa libertá-los das mazelas que os atormentam,
quer advenham de circunstâncias políticas e sociais, quer sejam causadas por
motivos religiosos.
A Felicidade é
alcançada por meio do controle dos medos e dos desejos, de maneira que seja
possível chegar à ataraxia, a qual representa um estado de prazer estável e
equilíbrio e, consequentemente, a um estado de tranquilidade e a ausência de
perturbações, pois, conforme Epicuro, há prazeres maus e violentos, decorrentes
do vício e que são passageiros, provocando somente insatisfação e dor. Mas
também há prazeres decorrentes da busca moderada da Felicidade.
Segundo Epicuro,
a posse de poucos bens materiais e a não obtenção de cargos públicos
proporcionam uma vida feliz e repleta de tranquilidade interior, visto que
essas coisas trazem variadas perturbações. Por isso, as condições necessárias
para a boa saúde da alma estão na humildade. E para alcançar a
felicidade, Epicuro cria 4 “remédios”:
1. Não se deve temer os deuses;
2. Não se deve temer a morte;
3. O Bem não é difícil de se alcançar;
4. Os males não são difíceis de suportar.
De acordo com
essas recomendações, é possível cultivar pensamentos positivos os quais
capacitam a pessoa a ter uma vida filosófica baseada em uma ética. A felicidade
se alcança através de poucas coisas materiais em detrimento da busca do prazer
voluptuoso. O homem ao buscar o prazer procura a felicidade natural. No entanto
é necessário saber escolher de modo que se evite os prazeres que causam maiores
dores; quando o homem não sabe escolher, surge a dor e a infelicidade.
O sábio deve
saber suportar a dor, visto que logo essa acabará ou até mesmo as que duram por
um tempo maior são suportáveis. A conquista do prazer e a supressão da dor se
dão pela sabedoria que encontra um estado de satisfação interna. A virtude
subordinada ao prazer só pode ser alcançada pelos seguintes itens:
· Inteligência – a prudência, o
ponderamento que busca o verdadeiro prazer e evita a dor;
· Raciocínio – reflete sobre os ponderamentos levantados para
conhecer qual prazer é mais vantajoso, qual deve ser suportado, qual pode
atribuir um prazer maior, etc. O prazer como forma de suprimir a dor é um bem
absoluto, pois não pode ser acrescentado a ele nenhum maior ou novo prazer.
· Autodomínio – evita o que é supérfluo,
como bens materiais, cultura sofisticada e participação política;
· Justiça – deve ser buscada pelos frutos que produz, pois
foi estipulada para que não haja prejuízo entre os homens.
Enfim, todo
empenho de Epicuro tinha como meta a felicidade dos homens. Nos jardins (comunidade
dos discípulos de Epicuro) reinava a alegria e a vida simples. A amizade era o
melhor dos sentimentos, pois proporcionava a correção das faltas uns dos
outros, permitindo as suas correções. Com isso, a moral epicurista é baseada na
propagação de suas ações, pois ele não se restringiu apenas ao sentimento e ao
prazer como normas de moralidade, mas foi muito além de sua própria teoria,
sendo o exemplo vivo da doutrina que proferia.
QUESTIONAMENTOS:
¹.
Quais são os quatro remédio para alcançar a felicidade?
².
Comente cada remédio;
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Apostila
de Filosofia [2º ANO] 1º SEMESTRE Página 12
AULA
13: CINISMO
PENSAMENTO DO DIA: “A felicidade não é uma estação na qual
chegaremos, mas sim uma forma de viajar”. Margaret Lee Runbeck
O modo de pensar
dos cínicos é apenas mais um dos vários que surgiram no período helenístico.
Juntamente com epicuristas e estoicos, o cinismo é considerado como escola
filosófica e não por ser constituído por uma doutrina sistemática, mas pela
opção de um modo de vida que se manifestava contra as transformações ocorridas
na Grécia no período do domínio macedônico.
Não se tem
certeza sobre quem fundou o cinismo, Diógenes certamente foi sua figura mais
marcante. Seu estilo de vida opõe-se tanto ao dos não filósofos quanto ao dos
filósofos. O cínico rejeita o modo de vida que se baseia na investigação
científica, bem como também aquilo que os homens em geral consideram
indispensável: as regras, a vida em sociedade, a propriedade, o governo, a
política, etc.
A prática de
vida dos cínicos baseia-se no impudor deliberado: fazem sexo em locais
públicos, comem sem utensílios e sem preparar os alimentos, não usam
vestimentas, etc., isto é, não se adaptam às conveniências sociais e à opinião.
Desprezam o dinheiro, mendigam, não querem posição estável na vida, não têm
cidade, nem casa, nem pátria; são miseráveis, errantes, vivem o dia a dia. Têm
somente o necessário para sua sobrevivência.
O cinismo pode
ser considerado uma escola filosófica, ainda que seus representantes não tenham
ministrado qualquer ensino em alguma escola. No entanto, a relação que havia
entre mestre e discípulo confere ao cinismo um caráter escolar. Porém, o teor
filosófico da escola cínica tem pouca expressão. Os cínicos não se atêm às
construções teóricas sob qualquer tema: quando se afirmava que o movimento não
existia, Diógenes, por exemplo, contentava-se em ficar de pé e andar. A
filosofia cínica é unicamente uma escolha de vida, a escolha da liberdade total
e absoluta ou da independência das necessidades inúteis, da recusa ao luxo e da
vaidade presentes na vida social.
Conta-se a
anedota de que estava Diógenes deitado tomando o seu sol quando chegou a ele
Alexandre, o Grande (imperador que dominou a Grécia) e dizendo que lhe daria
tudo aquilo que ele quisesse, bastava dizer. Diógenes lhe disse, então, que
gostaria que o dono do maior império até então conquistado, simplesmente saísse
de sua frente, pois estava atrapalhando seu banho de sol, o que mostra o estado
de imperturbabilidade em que se propõe o cínico.
Outro grande
expoente da escola cínica foi Pirro. Este, contra toda prudência, afrontava
todos os tipos de riscos e perigos. Dizem que ele continuava falando mesmo
quando seus ouvintes já haviam partido. Conta-se também que certa vez, vendo
seu mestre Anaxarco caído num pântano, passou sem socorrê-lo e, depois, o
mestre o felicitou, louvando sua indiferença e a impassibilidade.
O comportamento
de Pirro corresponde a uma escolha de vida que se resume perfeitamente em uma
palavra: a indiferença. Ele não faz distinção entre o que é
considerado perigoso ou não, entre o que é bom ou mal. Não dá importância ao
estar num lugar ou noutro; não leva em conta os julgamentos que consideram as
tarefas superiores ou inferiores; não distingue entre o que se denomina prazer
ou sofrimento, a vida e a morte. Tudo isso depende do valor que o homem atribui
às coisas e todo valor é fruto de uma convenção. Pouco importa o que se faça
desde que se faça com a disposição interior da indiferença. A filosofia de Pirro
consiste em firmar-se em um estado de igualdade consigo mesmo, de indiferença
total, de independência absoluta de liberdade interior, de impassibilidade,
tranquilidade, imperturbabilidade, estados esses que ele considera divino. Para
este tipo de filosofia, a virtude é a indiferença absoluta.
Para adquirir
tal indiferença é preciso desvencilhar-se, desligar-se completamente da
debilidade humana, dos bens materiais, da luxúria, dos prazeres, das ocupações,
das convenções e elevar-se até o sobre-humano, que é um estado de simplicidade,
de naturalidade. Para Pirro, o ideal do homem é ser um “bom homem”, e este só
se alcança pela prática da indiferença, fugindo do homem social, corrompido
pelos costumes e pelas convenções.
Por isso, a
filosofia de Pirro, semelhante à de Sócrates, é uma filosofia vivida, não
contemplativa, um exercício de transformação do modo de viver que promove a
verdadeira paz interior, a indiferenciação e a autarquia ou liberdade absoluta
do homem.
PRODUÇÃO TEXTUAL: “Como o homem moderno se
define: intuição ou razão”. 20 linhas
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Apostila
de Filosofia [2º ANO] 1º SEMESTRE Página 13
AULA 14: CONSCIÊNCIA E SUAS
RELAÇÕES COM O OUTRO.
PENSAMENTO DO DIA: “Nada se espalha com
maior rapidez do que um boato”. Virgílio
Para explicar as relações da consciência é
preciso antes defini-la tal como Sartre o fez. Partindo da análise da
consciência do homem - um ser que está no mundo, ou seja, vinculado ou
indissociável enquanto corpo-mente-mundo - é
possível determinar dois seres: O Ser-em-si e o Ser-para-si. O primeiro diz
respeito às coisas tal como se apresentam para nós, sendo fenômeno (aparição)
ou não, ou seja, existem aí no mundo (Dasein), independente de qualquer
coisa. O segundo, o para-si, é a consciência que ao se defrontar com o mundo
torna-se um processo dinâmico (contrastando com a inércia do em-si) e faz com
que o em-si se desvele.
Essa relação
evidencia a natureza do Para-si: é o nada que vê nos objetos o seu não ser,
isto é, relacionado com o ser-em-si, ele (o para-si ou consciência) não se
identifica com nenhum dos seres (em-si), sendo, portanto, uma falta, uma
carência que é na verdade o movente para atingir aquele repouso do em-si. O
para-si deseja ser.
Também o para-si
é um ser contingente, mas que ao contrario do em-si quer ser causa da sua
própria existência e que questiona seu próprio ser. Nisso já está implícito um
conceito de liberdade que é característica do ser-para-si. Essa liberdade
permite que uma subjetividade seja objetiva e nesta ação está a responsabilidade
que Sartre atribui a cada homem.
A consciência
quando se depara com um ser (em-si ou para-si), seja na forma de percepção,
seja na de imaginação, tem uma intenção: a intencionalidade
da consciência diante dos fenômenos (existentes) é uma forma
negadora de outros objetos (externos) e de si mesma (interna) e por isso ela (a
consciência) é o nada que vem ao mundo pelo homem e faz a relação entre
ser-em-si e ser-para-si ser um fluxo recíproco entre eles.
Como a
consciência não consegue se identificar com nenhum ser-em-si, ela disto se
aproxima quando em relação com outra consciência. Isto porque a ação ou escolha
enquanto consciência percebe a contingência e gratuidade de sua existência que
geram a angústia posterior a uma sensação de náusea. Angústia
porque a responsabilidade é totalmente do individuo ou de cada individuo
enquanto forma de reagir ao mundo, às coisas, etc., causados pela náusea de
saber que não existe um Deus ou um fundamento que determine a sua essência. Se,
como diz Sartre, a existência precede a essência, o homem enquanto jogado ao
mundo é quem desenvolve seus projetos e único responsável por suas ações. Estas
ações podem implicar numa ética. A relação entre consciência é o que permite
que a escolha seja de fato universal. Se a consciência é livre e pode escolher,
quando isto se dá, quer dizer que é escolher a liberdade para todos os homens,
pois se escolhe o homem (a consciência).
Dessa forma,
outro é que é o espelho para um indivíduo (intersubjetividade)
e determina a escolha em agir ou não da mesma forma e pode, também, melhor
emitir um juízo sobre esse indivíduo. Assim, de sua frase “o inferno são os
outros” é que temos a concepção de que os julgamentos são sempre parciais. Não
é a defesa de um tipo de egocentrismo exacerbado, mas sim a verificação
ontológica da possibilidade das escolhas seja feita universalmente devido ao
fato de que ao se escolher, escolhe-se a liberdade. Há uma pretensa noção de
que as escolhas conscientes se uniformizem, já que o conflito é inevitável
entre seres livres que pensam e escolhem diferente. Mas o que pode ser
considerado mais universal é que o homem é um ser para a morte.
QUESTIONAMENTOS:
¹.Explique: Como
determinar os seres?
². Qual o papel
da consciência nessa relação?
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Apostila
de Filosofia [2º ANO] 1º SEMESTRE Página 14
AULA
15: MAQUIAVEL E O SEU PENSAMENTO POLÍTICO
PENSAMENTO DO DIA: “A verdade é o bem próprio do
homem e o único bem imortal que nos é dado usar em nossa condição de seres
mortais”. Bem Johnson
O Renascimento trouxe uma
série de inovações no campo cultural. Uma delas foi desenvolvida por um autor
italiano, Maquiavel, que procurava fundamentar uma filosofia política tendo em
vista a dominação dos homens. Essa pretensão tinha como modelo as ciências
naturais que estavam em plena descoberta (física, medicina, etc.),
estabelecidas por Galileu e com o próprio ideal renascentista de domínio da
natureza.
Maquiavel pretendia que essa forma de
conhecimento fosse aplicada também à política enquanto ciência do domínio dos
homens e que tinha como pressuposto uma natureza humana imutável. Para ele, se
há uniformidade nas leis gerais das ciências naturais, também deveria haver
para as ciências humanas. Isso foi necessário para manter a ordem dentro do
Estado burguês então nascente, que precisava desenvolver suas atividades e
prosperar. Maquiavel, com base em seu pensamento político, percebeu que as
formas de governo se dão de forma cíclica.
O problema para
Maquiavel, entretanto, é saber a quem serve a ciência política e o que fazer
para se manter no poder. Apesar de, obviamente, ser um defensor da burguesia,
não se sabe ao certo qual a sua preferência de forma de governo. Mesmo assim,
ele tende ora para a República, ora para a Monarquia. Para ele, essa questão é
secundária, pois a sua concepção de história era cíclica e os governos sempre
se degeneravam: da monarquia à tirania, desta à oligarquia e à aristocracia,
que, por sua vez, recaíam na democracia que, enfim, só terá solução com um
ditador. Isso acontece (e se repete) porque os seres humanos têm uma essência
universal: é o desejo de poder e os vícios a que são acometidos os homens
(governantes e seus sucessores) que fazem com que o governo se degenere.
Por isso,
Maquiavel lança mão de dois conceitos chaves: virtu e fortuna.
Este diz respeito à grande maioria dos homens, é a sorte, o destino a que estão
determinados; e aquele é a excelência que poucos homens têm de previsão,
capazes de fazê-los manter o poder máximo possível e para isso podem matar,
roubar, mentir, sem nenhum escrúpulo.
A diferença
entre Maquiavel e os outros cientistas naturais é que estes, ao publicarem suas
obras, não constrangem a sociedade de modo geral, enquanto a obra de Maquiavel
causa tal constrangimento, ainda que seja usada por todos os políticos de todos
os tempos. Por causa disso, o adjetivo “maquiavélico” significa que “os fins
justificam os meios”, ou seja, para se alcançar um objetivo (no caso de
Maquiavel, o poder e sua manutenção) vale utilizar-se de qualquer método.
QUESTIONAMENTOS:
1.
Qual a base do pensamento de Maquiavel?
2.
Explique porque as formas de governo se dão de forma
cíclica.
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Apostila
de Filosofia [2º ANO] 1º SEMESTRE Página 15
AULA
16: OS EMPIRISTAS
PENSAMENTO DO DIA: “As
palavras nos permitiram elevar-nos acima dos animais; mas é também pelas
palavras que não raro descemos ao nível de seres demoníacos”. Aldous Huxley
Os
empiristas ingleses no decorrer da história da Filosofia muitos filósofos
defenderam a tese empirista, mas os mais famosos e conhecidos são os filósofos
ingleses dos séculos XVI ao XVIII, chamados, por isso, de empiristas ingleses:
Francis Bacon, John Locke, George Berkeley e David Hume. Na verdade, o
empirismo é uma característica muito marcante da filosofia inglesa. Na Idade
Média, por exemplo, filósofos importantes como Roger Bacon e Guilherme de
Ockham eram empiristas; em nossos dias, Bertrand Russell foi um empirista.
Que dizem
os empiristas? Nossos conhecimentos começam com a experiência dos sentidos,
isto é, com as sensações. Os objetos exteriores excitam nossos órgãos dos
sentidos e vemos cores, sentimos sabores e odores, ouvimos sons, sentimos a
diferença entre o áspero e o liso, o quente e o frio, etc. As sensações se
reúnem e formam uma percepção; ou seja, percebemos uma única coisa ou um único
objeto que nos chegou por meio de várias e diferentes sensações. Assim, vejo
uma cor vermelha e uma forma arredondada, aspiro um perfume adocicado, sinto a
maciez e digo: “Percebo uma rosa”. A “rosa” é o resultado da reunião de várias
sensações diferentes num único objeto de percepção.
As
percepções, por sua vez, se combinam ou se associam. A associação pode dar-se
por três motivos: por semelhança, por proximidade ou contigüidade espacial e
por sucessão temporal. A causa da associação das percepções é a repetição. Ou
seja, de tanto algumas sensações se repetirem por semelhança, ou de tanto se
repetirem no mesmo espaço ou próximas umas das outras, ou, enfim, de tanto se
repetirem sucessivamente no tempo, criamos o hábito de associá-las. Essas
associações são as idéias.
A
experiência também me mostra, todo o tempo, que se eu puser um objeto sólido
(um pedaço de vela, um pedaço de ferro) no calor do fogo, não só ele se
derreterá, mas também passará a ocupar um espaço muito maior no interior do
recipiente. A experiência também repete constantemente para mim a possibilidade
que tenho de retirar um objeto preso dentro de um outro, se eu aquecer este
último, pois, aquecido, ele solta o que estava preso no seu interior, parecendo
alargar-se e aumentar de tamanho.
A razão
pretende, através de seus princípios, seus procedimentos e suas idéias,
alcançar a realidade em seus aspectos universais e necessários. Em outras
palavras, pretende conhecer a realidade tal como é em si mesma, considerando
que o que conhece vale como verdade para todos os tempos e lugares
(universalidade) e indica como as coisas são e como não poderiam, de modo
algum, ser de outra maneira (necessidade).
PRODUÇÃO TEXTUAL: “Tente explicar a idéia
de Empirismo para os filósofos ingleses dos séculos
XVI ao XVIII”.
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Apostila
de Filosofia [2º ANO] 1º SEMESTRE Página 16
AULA
17: CONFLITO ENTRE RAZÃO E FÉ
PENSAMENTO DO DIA: “Quanto
maior o poder, maior o perigo de abuso”. Edmund Burke
Fé versus Razão - conflito existente desde a Grécia antiga, tradicionalmente o capítulo da História da humanidade relativo ao tema “conflito entre razão e fé” é atribuído a um período medieval em que se travava um confronto entre os adeptos da boa nova, isto é, a religião cristã, e seus adversários moralistas gregos e romanos, na tentativa de imporem seus pontos de vistas. Para estes, o mundo natural ou cosmos era a fonte da lei, da ordem e da harmonia, entendendo com isso que o homem faz parte de uma organização determinada sem a qual ele não se reconhece e é através do lógos que se dá tal reconhecimento. Já para os cristãos, a verdade revelada é a fonte da compreensão do que é o homem, qual é sua origem e qual o seu destino, sendo ele semelhante a Deus-pai, devendo-lhe obediência enquanto sua liberdade consiste em seguir o testamento (aliança).
Desse debate,
surgem as formas clássicas de combinação dos padres medievais: aqueles que
separam os domínios da razão e da fé, mas acreditam numa conciliação entre
elas; aqueles que pensam que a fé deveria submeter a razão à verdade revelada;
e ainda aqueles que as veem como distintas e irreconciliáveis. Esse período é
conhecido como Patrística (filosofia dos padres da Igreja).
No entanto,
pode-se levantar a questão de que esse conflito entre fé e razão representa
apenas um momento localizado na história. A filosofia, tendo como
característica a radicalidade, a insubordinação, a luta para superar
pré-conceitos e estabelecer conceitos cada vez mais racionais através da
história, mostra que, desde seu início, esta relação tem seus momentos de
estranhamento e reconciliação. Por exemplo, na Grécia antiga, o próprio
surgimento da filosofia se deu como tentativa de superar obstáculos oriundos de
uma fé cega nas narrativas dos poetas Homero e Hesíodo, os educadores da
Hélade. A tentativa de explicar os fenômenos a partir de causas racionais já
evidenciava o confronto com as formas de pensar e agir (fé) do povo grego que
pautava sua conduta pelos mitos. O próprio Sócrates, patrono da filosofia, foi
condenado por investigar a natureza e isso lhe rendeu a acusação de impiedade.
Mais tarde, a filosofia cristã se degladiou para fundamentar seu domínio
ideológico, debatendo sobre os temas supracitados. Na era moderna, com
encrudescimento da inquisição, surge o renascimento que apela à razão humana
contra a tirania da Igreja. Basta olhar os exemplos de Galileu, Bruno e
Descartes, que reinventaram o pensamento contra a fé cega que mantinha os
homens na ignorância das trevas e reclamava o direito à luz natural da razão. A
expressão máxima desse movimento foi o Iluminismo que compreendia a superação
total das crenças e superstições infundadas e prometia ao gênero humano dias
melhores a partir da evolução e do progresso.
Hoje, essa
promessa não se cumpre devidamente. O homem dominou a natureza, mas não
consegue dominar as suas paixões e interesses particulares. Declarado como
expropriado dos meios de produção e forçado a sobreviver, eis que o homem se
aliena do processo produtivo e se mantém em um domínio cego, numa crença
inconsciente de si e do outro (ideologia). O irracionalismo cresce à medida que
se promete liberdade aos seres humanos a partir de outra fé: o trabalho. O
homem explora e devasta o mundo em que vive e não tem consciência disso. E tudo
isso para enriquecer uma classe dominante, constatando o interesse egoísta e
classista.
Parece, pois,
que a luta entre razão e fé não é apenas localizada, mas contínua, já que
sempre há esclarecidos, esclarecimentos e resistência a esses esclarecimentos.
A razão se rebela com o estabelecido e quando se impõe, torna-se um dogma
incutido nos homens de cada tempo. Numa linguagem hegeliana, uma tese que se
torna antítese e necessita já de uma síntese para que a razão desdobre a si
mesma.
PRODUÇÃO TEXTUAL: “conflito entre razão e
fé”. 20 linhas
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Apostila
de Filosofia [2º ANO] 1º SEMESTRE Página 17
AULA
18: O PENSAMENTO DE HOBBES
PENSAMENTO DO DIA “Todas as pessoas
cruéis descrevem-se como modelos de sinceridade”. Tennessee Williams
Para Hobbes, a mente humana é desprovida de qualquer sistema de representação anterior à experiência, no período da história humana conhecido por idade moderna, que se inicia com o Renascimento, é muito comum a pesquisa e o desenvolvimento do termo “representação” em vários aspectos, tais como os epistemológicos, políticos e religiosos. Um dos primeiros a conceber um sistema de representação foi o inglês Thomas Hobbes.
Diferente de
Maquiavel, Hobbes considera a mecânica (estudo do movimento na ciência natural
ou física) como modelo para sua psicologia e também para sua sociologia. Ele
parte do conceito de indivíduos isolados, como átomos (que são corpos
inorgânicos imutáveis e eternos) e faz a analogia com os homens no estado real
de natureza. É essa analogia que pode explicar as alterações sociais.
Assim, cada
indivíduo reage a movimentos exteriores numa necessidade incondicional. Vistas
do interior, as reações humanas apresentam-se como vivências, sentimentos e
impulsos. Para Hobbes, todos os afetos que sentimos são efeitos de fenômenos
mecânicos no nosso corpo e também no mundo exterior.
Seguindo uma
tradição empirista que remonta a Aristóteles, Hobbes entende que a mente humana
é totalmente desprovida de qualquer representação anterior à experiência. Ela
ocorre da seguinte forma:
- Em primeiro
lugar, temos a sensação, que é o pensamento
isolado, uma aparência da qualidade dos objetos ou acidentes destes que são
exteriores a nós e que atuam nos órgãos dos sentidos. A sensação é uma primeira
concepção no espírito do homem e é causada pelo movimento que os objetos
proporcionam ao pressionarem (interagirem) com nossos órgãos, sendo, então,
ilusória e aparente, não estando nos objetos, mas provindo deles;
- Em segundo
lugar temos a imaginação, que é uma sensação diminuída, ou seja,
passada. É a ilusão que se guarda na memória. A diferença entre as
duas é que a imaginação é presenciada e arquivada enquanto que a memória é
apenas a lembrança da ilusão no presente;
- E por último,
a experiência, isto é, muita memória ou a memória de
muitas coisas. A imaginação é fruto da percepção da sensação e quando há muita
repetição, forma-se a expectativa futura.
Podemos também
compreender mais detalhadamente segundo o esquema abaixo:
· Sensação: contrapressão do objeto aos nossos sentidos. É a impressão;
· Percepção: compreensão ou entendimento da sensação;
· Imaginação: sensação diminuída (simples ou compostas);
· Memória: sobre a diminuição da sensação, ficção do espírito;
· Experiência: conjunto das várias memórias.
Ainda segundo o
autor, os sonhos são causados por perturbações de alguma parte do corpo (interna)
que provocam sonhos diversos para perturbações diversas. Os sonhos são o
reverso das imaginações despertas. Com isso, Hobbes critica as religiões e os
costumes que estimulam imaginações fortes, tornando as pessoas supersticiosas e
despreparadas para a obediência civil.
Devemos
entender, portanto, que, para Hobbes, fora da nossa mente há apenas matéria em
movimento, como se fossem feixes de luzes desorganizados. Quando captamos esses
feixes, a mente organiza esses dados, isto é, cria um mundo artificialmente
através da linguagem (que também é artificial). A imaginação se dá pelas
palavras, sinais e entendimento. Da mesma forma que se cria um mundo ilusório
pra si, os indivíduos coletivamente podem criar um mundo comum para si. É a common
wealth, termo inglês usado pelos filósofos para designar uma
comunidade, sociedade civil organizada ou Estado.
QUESTIONAMENTOS:
1.
Explique porque a
mente humana é totalmente desprovida de qualquer representação anterior à
experiência.
2.
Explique porque a imaginação é uma sensação
diminuída, ou seja, passada.
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Apostila
de Filosofia [2º ANO] 1º SEMESTRE Página 18
AULA
19: A ÁRVORE CARTESIANA
PENSAMENTO DO DIA: “A honestidade, sem as
regras do decoro, transforma-se em grosseria”. Confúcio
René Descartes - Autor do "discurso do Método" e das "Meditações Metafísicas", Matemático, físico e filósofo, autor do “Discurso do Método” e das “Meditações Metafísicas”, Descartes elaborou um novo método de conhecimento fundado sobre a razão, a única capaz de permitir ao homem alcançar um conhecimento perfeito das verdades mais elevadas. O famoso “Cogito ergo sum” (Penso, logo existo!) faz do pensamento o princípio da existência.
Tendo feito seus
estudos clássicos com os jesuítas, Descartes logo se interessou pelas matemáticas
como se fossem a causa da certeza e da evidência de suas razões. O sistema que
elaborou é marcado pelo rigor. No prefácio dos Princípios da Filosofia,
ele define o conhecimento (a Filosofia) semelhante a uma árvore. As raízes são
constituídas pela Metafísica, indicando que todo saber do sistema se apoia
sobre a existência de Deus, considerado como o revelador e criador das
verdades. É, portanto, de Deus que o homem deve deduzir as regras
indispensáveis para compreender o mundo. Nessa perspectiva, a Física é a
aplicação dessa concepção de conhecimento, formando o tronco da árvore. E,
enfim, os galhos são constituídos pelas outras ciências (Medicina, Mecânica) e
a moral, que surgem como os resultados da pesquisa, sobre a qual o próprio
Descartes esboça grandes tratados.
O método
cartesiano resultante dessa concepção toma como ponto de partida a solução da “tábula
rasa” que consiste em negar toda existência, todo dado. Mas
negar supõe em si a existência de um pensamento, já que é preciso pensar para
negar, evidenciando, assim, a existência de uma razão. Essa razão é suscetível
de conhecer a verdade, porque Deus existe, ao mesmo tempo tendo criado o mundo
e a ferramenta necessária para conhecê-lo. Essa ferramenta é o espírito humano.
Mas o homem é
falível e para usar corretamente o método é preciso utilizar alguns princípios
comuns. São eles:
- Saber que o
bom senso é a coisa mais bem partilhada do mundo, como potência de bem julgar e
distinguir o verdadeiro do falso. É a isto que denominamos bom senso ou Razão e
que é igual em todos os homens;
- Necessidade de
um método: não é o bastante ter o espírito bom, mas o principal é aplicá-lo
bem. As grandes almas são capazes dos maiores vícios, bem como das maiores
virtudes;
- Probidade
intelectual: jamais receber alguma coisa por verdadeira sem que a tenha
conhecido evidentemente, isto é, evitar a precipitação e a prevenção;
- Lealdade
política e moderação: a primeira regra é obedecer às leis e aos costumes de meu
país, observando constantemente a religião na qual Deus deu ao homem a graça de
ser instruído desde a infância, devendo se autogovernar seguindo as opiniões
mais moderadas e distantes dos excessos;
- Aceitação
estoica do mundo: cuidar sempre de superar a si mesmo ao invés de querer mudar
os outros;
- Primazia do
pensamento e limite do ceticismo: notando que o Cogito é tão
firme e seguro que nenhuma suposição extravagante dos céticos seria capaz de
enfraquecê-lo, deve-se tê-lo pelo primeiro princípio da Filosofia.
Assim, ao
compreender a realidade de forma evidente e, por isso, racional, pensada,
podemos utilizar os princípios do método filosófico a fim de conservar nossa
saúde, gerir melhor os negócios e também nos tornarmos melhores a nós próprios,
afastando-nos da superstição e da presunção sem que com isso caiamos no
ceticismo absoluto. Deus é, em última instância, a verdade que garante ao
sujeito o poder de conhecer.
PRODUÇÃO TEXTUAL: O que caracteriza a
árvore cartesiana. 20 linhas
DICA DE LEITURA:
LEIA: STENDAL. O vermelho e o
Negro. Rio de Janeiro: Nova Cultural, 2005.
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Apostila
de Filosofia [2º ANO] 1º SEMESTRE Página 19
AULA
20: O EMÍLIO DE ROUSSEAU
PENSAMENTO DO DIA: “O
homem é aquilo que sabe”. Francis Bacon
O EMÍLIO
DE ROUSSEAU
Paul Arbousse-Baside e Lourival Gomes Machado
O Emílio é um ensaio pedagógico sob a
forma de romance e nele Rousseau procura traçar as linhas gerais que deveriam
ser seguidas com o objetivo de fazer da criança um adulto bom. Mais exatamente,
trata dos princípios para evitar que a criança se torne má, já que o
pressuposto básico do autor é a crença na bondade natural do homem. Outro
pressuposto de seu pensamento consiste em atribuir à civilização a
responsabilidade pela origem do mal. Conseqüentemente, os objetivos da
educação, para Rousseau, comportam dois aspectos: o desenvolvimento das
potencialidades naturais da criança e seu afastamento dos males sociais.
A educação deve
ser progressiva, de tal forma que cada estágio do processo pedagógico seja
adaptado às necessidades individuais do desenvolvimento. A primeira etapa deve
ser inteiramente dedicada ao aperfeiçoamento dos órgãos dos sentidos, pois as
necessidades iniciais da criança são principalmente físicas. Incapaz de
abstrações, o educando deve ser orientado no sentido do conhecimento do mundo
através do contato com as próprias coisas: os livros só podem fazer mal, com
exceção do Robinson Crusoe, que
relata as experiências de um homem livre, em contato com a natureza.
Liberta da
tirania das opiniões humanas, a criança, por si mesma, e sem nenhum esforço
especial, identifica-se com as necessidades de sua vida imediata e torna-se
auto-suficiente. Vivendo fora do tempo, anda precisando das coisas artificiais
e não encontrando qualquer desproporção entre desejo e capacidade, vontade e
poder, sua existência vê-se livre de toda ansiedade com relação ao futuro e não
é atormentada pelas preocupações que fazem o homem adulto civilizado viver fora
de si mesmo.
É necessário,
contudo, prepará-la para o futuro. Isso porque ela tem uma enorme
potencialidade, não aproveitada imediatamente. A tarefa do educador consiste em
reter pura e intacta essa energia até o momento propício. Nesse sentido, é
particularmente importante evitar a excitação precoce da imaginação, porque esta
pode tornar-se uma fonte de infelicidade futura. Outros cuidados devem ser
tomados com o mesmo objetivo e todos eles podem ser alcançados ensinando-se a
lição da utilidade das coisas, ou seja, desenvolvendo-se as faculdades da
criança apenas naquilo que possa depois ser-lhe útil.
Até aqui, o
processo educativo preconizado por Rousseau é negativo, limitando-se àquilo que
não deve ser feito. A educação positiva deve iniciar-se quando a criança
adquire consciência de suas relações com os semelhantes. Passa-se, assim, do
terreno da pedagogia propriamente dita aos domínios da teoria da sociedade e da
organização política.
in Os Pensadores: Rousseau, São Paulo: Ed. Abril, 1978, introd. pgs. XVII-XVIII.
PRODUÇÃO TEXTUAL: Estabeleça a sua ideia de educação.
20 linhas
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Apostila
de Filosofia [2º ANO] 1º SEMESTRE Página 20
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